Casa Ardida
Antes do incêndio
que, em 1933 a destruiu completamente e a transformou
toponimicamente na Casa Ardida, serviu esta casa e quintal,
de hospital de isolamento de doentes a quando da epidemia de
cólera que assolou a Maneira nos finais de 1910 e princípios
de 1911. Em 1946/47 foi adquirida pela Câmara Municipal de
Câmara de Lobos, com a finalidade de aí construir salas de
escola para o ensino primário, o que só viria a acontecer em
finais dos anos 60. Hoje, o espaço antes ocupado pelo
edifício da Casa Ardida e respectivo quintal, alberga um
Centro de Convívio e um espaço adaptado a habitação
temporária para algumas famílias.
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Casa Ardida tendo em anexo o barracão que serviu de
hospital de isolamento na epidemia de cólera de 1910 |
A hoje ainda denominada
Casa Ardida, situa-se à margem do caminho das Preces e deve
o seu significado toponímico ao facto de no dia 6 de Maio de
1933 ter sido alvo de um grande incêndio que a destruiu
completamente e de, nesse estado, ter permanecido ao longo
de vários anos. Na altura pertencia esta casa a Maria
Guilhermina Bastos Carregal de Jesus e estava arrendada a
Luís de Camões Gonçalves Rocha, ajudante do Notário de
Câmara de Lobos e que também chegou a estar à frente da
Direcção da Banda Municipal de Câmara de Lobos.
Segundo a descrição
inserta nos jornais da época, o incêndio terá começado no
sótão do edifício, pouco depois das 10 horas da manhã, tendo
sido apontado como responsável o criado, que vivendo nesse
compartimento ter-se-á lá deslocado em busca de uma
cana-de-açúcar e esquecido o respectivo candeeiro de
iluminação a petróleo.
Hospital de isolamento
para doentes da cólera
Em 1910, verificando-se
na Madeira uma epidemia de cólera, uma das várias medidas
implementadas não só destinada ao seu combate como ao
tratamento de doentes foi o do isolamento destes em locais
próprios. Esta medida obrigatória, apesar de não ser aceite
pela população, até porque era voz corrente de que quem lá
entrasse já não saía com vida e por isso obrigando mesmo ao
recuso das forças de segurança para a colocar em prática,
não deixava de se revestir da maior importância no combate à
doença. Afinal de contas, numa altura em que as medidas
terapêuticas eficazes eram escassas, interessava para além
de outras atitudes, nomeadamente a implementação de medidas
higiénicas, evitar que estes doentes contagiassem outros e,
isso só se fazia isolando-os.
A exemplo do que
aconteceu noutros concelhos, em Câmara de Lobos também se
instalou um Hospital de Isolamento, tendo a opção dos
responsáveis, da altura, pelo combate à epidemia, encontrado
naquela que posteriormente viria a ser denominada de Casa
Ardida, as instalações ideais.
Encontrando-se na altura
desocupada, uma vez que só era utilizada como casa de campo,
foi este edifício cedido gratuitamente para o efeito, pela
sua proprietária Maria Guilhermina Basto Carregal Dâmaso de
Jesus, filha de Manuel Marques dos Santos Carregal e na
altura, viúva de Manuel Dâmaso de Jesus Júnior.
Após algumas obras de
adaptação, das quais se destaca a construção de um grande
pavilhão de madeira no quintal da casa, destinado a
enfermarias de homens e mulheres, foi este Hospital
inaugurado no dia 21 de Dezembro de 1910.
Esteve em actividade até
ao dia 23 de Fevereiro de 1911, tendo durante esse tempo
servido de internamento a 89 doentes, dos quais 25
faleceram.
Posteriormente, em data
que se desconhece, foi esta casa dada de arrendamento a Luís
de Camões Gonçalves Rocha, que lá haveria de permanecer até
1933, altura em que foi destruída por um incêndio.
A aquisição pela
Câmara
Deixada depois do
incêndio ao abandono, o que se explica pelos avultados meios
necessários à sua reconstrução e ao facto dela não
constituir prioridade em termos de habitação para os seus
proprietários, a Casa Ardida, é em 1940 alvo de cobiça por
parte da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, a braços com
falta de instalações escolares.
Com efeito de acordo com
o Jornal da Madeira de 24 de Fevereiro de 1940, numa notícia
onde se publicava um extracto da acta da reunião camarária
realizada dois dias antes, a Câmara Municipal de Câmara de
Lobos, delega no Administrador do Concelho, os contactos no
sentido de tratar junto do proprietário a aquisição desta
casa e respectivo quintal para edifício escolar.
Ainda que a Câmara tendo
mostrado, ao que tudo indica, satisfação pelos resultados
obtidos pelo negociador, a verdade é que muito provavelmente
a insuficiência de meios financeiros haveriam de retardar as
pretensões dos então responsáveis autárquicos.
Por esse facto, só na sua
reunião de 18 de Dezembro de 1946 é que a Câmara delibera
adquirir os 1.164 metros quadrados, correspondentes à área
da casa e quintal, desembolsando a Câmara Municipal de
Câmara de Lobos nesta transacção 90 mil escudos.
Na sessão camarária de 9
de Abril de 1947, é presente um ofício do subsecretário das
Finanças informando que havia sido diferido o pedido de
isenção de sisa formulado pela CMCL, atendendo ao facto de
se destinar à construção de escolas oficiais de instrução
primária.
As dificuldades
da Câmara
Demonstrando dificuldades
financeiras na concretização do objectivo da aquisição, a
Câmara em vez de adaptar o edifício da escola, opta por, em
princípios de 1951, colocar a hipótese de arrendar o quintal
do prédio da Casa Ardida. Desse facto dá conta na sua
reunião de 16 de Maio de 1951, adiantando, contudo que a
decisão final ficaria para quando fossem elaboradas e
aprovadas as condições de arrendamento e estabelecida a base
de licitação, o que vem a acontecer na sua sessão de 31 de
Maio.
No entanto, numa leitura
mais atenta desta deliberação, o chefe de Secretaria da
Câmara, verificaria que tal pretensão não seria legal uma
vez que o prédio havia sido adquirido para ser adaptado a
escola e em consequência disso tinha ficado isento de sisa,
isenção essa que deixaria de existir se a Câmara o
destinasse a outro fim. Por esse facto na sua sessão de 13
de Junho de 1951, a Câmara delibera considerar sem efeito
esse desejo, antes formulado, de arrendamento do prédio em
causa.
Sede de exercícios
para bombeiros
Em 1952, mais
precisamente no dia 27 de Julho, serviram estas ruínas para
os exercícios finais da primeira escola do Corpo de
Bombeiros de Salvação Pública de Câmara de Lobos.
Fundados a 13 de Agosto
de 1949, data da outorga dos respectivos estatutos, por
iniciativa da Câmara Municipal de Câmara de Lobos e
nomeadamente do seu presidente, só em finais de 1951,
princípios de 1952 é que a corporação de bombeiros de Câmara
de Lobos iniciaria a sua actividade, posteriormente
continuada, ainda que com um ou outro período de
interrupção.
À frente da primeira
escola dos Bombeiros de Câmara de Lobos, esteve Fernão
Pereira Camacho, dos Bombeiros Voluntários Madeirenses.
A propósito dos bombeiros
de Câmara de Lobos, não poderemos deixar de salientar que,
data pelo menos de 1891 os esforços no sentido do concelho
ser dotado deste tipo de instituição. Neste ano adquiriu a
Câmara uma bomba manual, que curiosamente terá ido para o
Funchal em 1961, como relíquia histórica para uma exposição,
mas que nunca haveria de voltar ao local de origem, conforme
estabelecia o contrato relativo à sua cedência. Para além da
aquisição desta bomba, chega-se mesmo, em 1896 e em 1899 a
se fazer esforços no sentido da constituição de um corpo de
combate a incêndios, mas que cedo acabariam por sucumbir.
A construção do
edifício escolar
Passados quase cerca de
20 anos, desde que a Câmara Municipal de Câmara de Lobos
havia adquirido a Casa Ardida, na sua reunião de 26 de
Agosto de 1964, delibera finalmente fazer o estudo e
elaborar o projecto para a sua adaptação a escola primária
No entanto, ao que supomos, só em finais dos anos 60, talvez
só no ano lectivo de 1968/69 é que pela primeira vez ali
começaram a funcionar instalações escolares, que se terão
mantido em actividade até por volta de 1995.
Contemporâneo das
instalações escolares terá sido também um polidesportivo aí
existente e que em 1977 terá sido alvo de importantes obras
de beneficiação.
Ao longo de 1997, foram
as instalações escolares adaptadas a habitação provisória ou
temporária, com o fim de realojar, a 23 de Dezembro desse
ano, as famílias provenientes do lugar do Luzirão, na cidade
de Câmara de Lobos, enquanto durar o processo de recuperação
das suas antigas habitações, levado a cabo pela Secretaria
Regional do Equipamento Social.
O Centro de Convívio
da Terra Chã
Para além da sua
utilização como escola e polidesportivo, o espaço conhecido
vulgarmente por Casa Ardida é também desde 4 de Setembro de
1992, dia da sua inauguração, sede do Centro de Convívio da
Terra Chã. Este projecto social, que importou em cerca de
30 mil contos, desde 1994 sob a orientação do Centro Social
e Paroquial do Carmo, foi inicialmente da responsabilidade
da Caritas da paróquia do Carmo e para ele contribuíram não
só a Caritas local como também a Caritas Diocesana e o
Centro Regional de Segurança Social, cabendo à Câmara
Municipal de Câmara de Lobos a cedência do terreno
necessário.
No Centro de Convívio da
Terra Chã funciona desde a sua abertura um centro de
Actividades de Tempos Livres, duas salas de educação
pré-primária, uma, aberta por volta de 1993, sob a
responsabilidade da Secretaria Regional da Educação e outra
aberta em 1994 e da responsabilidade do Centro Social e
Paroquial do Carmo e frequentado em grande parte por
crianças da rua e que os responsáveis pelo Centro
conseguiram integrá-las nesta actividade.
Para além do ATL e do
ensino pré-primário, à noite, o Centro Social e Paroquial
ministra nestas instalações cursos de alfabetização de
adultos, para além de existir ainda o apoio, por parte de
uma educadora social e de uma assistente social para jovens
onde são detectados problemas de desadaptação.
O combate aos
problemas sociais
Como curiosidade
refira-se que, este centro terá resultado de um levantamento
feito quase de porta a porta entre os mais carenciados da
paróquia do Carmo para saber das suas necessidades, e onde
se incluía a mediática Casa do Porrão curiosamente situada
nas proximidades da Casa Ardida e consequentemente também do
Centro de Convívio da Terra Chã e onde vivem em condições
desumanas várias famílias.
Daí resultou a elaboração
de um programa destinado ao combate dos problemas
socio-económicos, entregue às entidades regionais e onde se
propunha não só a construção de lavadouros e sanitários na
Casa do Porrão, como a implementação de centros de ATL,
escola pré-primária, diversos cursos de formação e a
construção de habitações.
A este propósito, quando
o Centro de Convívio da Terra Chã foi inaugurado já havia
sido adquirido pela Segurança Social, numa iniciativa levada
a cabo pela Caritas paroquial do Carmo, um terreno no valor
de 10 mil contos, destinado a construir alojamentos para as
famílias que habitavam a Casa do Porrão, construção essa
integrada no projecto de luta contra a pobreza, denominado
de "A Caminho do Futuro". É de referir ainda que no Centro
de Convívio da Terra Chã, preparam-se já as famílias com
vista à ocupação do futuro bairro e que pelos discursos
proferidos tanto por Alberto João Jardim, presidente do
Governo Regional, como por Jorge Sampaio, presidente da
República, a quando da sua recente visita a este bairro, se
prevê para breve.
Bibliografia:
FRANÇA, Carlos. A
Epidemia Cholérica da Madeira, 1910-1911 - Relatório
apresentado ao Ministro do Interior. Typ. Universal, Lisboa,
1911.
FREITAS, Manuel Pedro.
Câmara de Lobos e a Epidemia de Cólera de 1910. Girão -
Revista de Temas Culturais do Concelho de Câmara de Lobos,
Nº5, 2º Semestre/90, 196-199.
Diário de Notícias,
Funchal, 7 e 8 de Maio de 1933.
Faceta Sócio-Caritativa
da Igreja no Combate à Pobreza em Câmara de Lobos. Jornal da
Madeira, 5 de Setembro de 1992.