Boca
dos Namorados
A Boca dos Namorados,
constitui juntamente com a Boca da Corrida, a Quinta do Jardim da Serra,
o Pico da Torre e o Cabo Girão uma das mais importantes referências
turísticas do concelho de Câmara de Lobos, isto naturalmente
sem contar com a Eira do Serrado que apesar de não fazer parte do
concelho deve a sua importância à soberba paisagem da freguesia
do Curral das Freiras, que a partir dele se desfruta.
Até 5 de Julho de
1996, pertenceu a Boca dos Namorados ao Estreito de Câmara de Lobos,
passando a partir dessa data com a criação da freguesia do
Jardim da Serra a fazer parte desta nova freguesia, tal como de resto aconteceu
com toda a zona alta do Estreito, onde se concentravam todas as suas potencialidades
turísticas: Boca dos Namorados; Boca da Corrida e Quinta do Jardim
da Serra.
A origem do nome
Ainda que a origem da
sua denominação seja desconhecida, pelo menos nunca a encontramos
referida de forma fundamentada, o poeta câmara-lobense Joaquim Pestana através
de um dos seus escritos datados de 1879 e recordados por Nelson Veríssimo
na revista Girão, para além de descrever o local dá-nos
uma explicação curiosa a propósito do seu nome.
Segundo Joaquim Pestana
a origem do epíteto Namorados é de poucos conhecida. Diz
a tradição que para ali viera um sujeito, por nome
Pêro, que se enamorara duma linda menina chamada Ignez. Como Pêro
não lhe pudesse falar a cada momento, em razão de viver separada
por aquele abismo, fazia, qual outro Leandro, acordar aqueles vales com
o doce nome de - Ignez! que sempre lhe era correspondido com o nome de
- Pêro!
Acreditando-se ou não
nesta explicação para a origem no nome baseada, segundo diz
o poeta na tradição, a verdade ela é a única
conhecida e, se não foi o namoro entre Pêro e Inês certamente
que na sua base terá estado um sentimento idêntico que, de
resto, se adapta perfeitamente ao local.
As panorâmicas
desfrutadas
Desde a Boca dos Namorados
podemos contemplar não só o Curral das Freiras visto pela
sua parte sul, como também a baixa funchalense.
Ao descrever a Boca dos
Namorados Joaquim Pestana diz que dali é admirável contemplar
a nossos pés, como humilhado perante aquelas maravilhas da natureza,
numa profundidade de 800 a 1:000 metros, o chão do Curral das Freiras,
esmaltado de pequenas casas, cobertas, na maior parte, de palha de centeio,
ou colmo, como por aqui lhe chamam.
Dizia ainda, em 1879 Joaquim
Pestana que se subirmos ao grande monte que domina a Boca dos Namorados,
teremos uma vista não menos majestosa e surpreendente. Para
sul, a distância talvez de 15 km descortina-se visivelmente a encantadora
cidade do Funchal, embelezada pelo seu amplo porto[...]. Desta soberba
eminência, a que dão o nome de Pico dos Bodes, mais aprazível
se torna a imponente vista do Curral das Freiras. É impossível
descrever-se a comoção que nos causa aquela ingente profundidade,
e também dali é curioso ouvir a detonação dos
morteiros disparados [por ocasião das festividades religiosas] no
Chão do Curral. O som que nos parece de uma peça de grande
calibre, repete-se pelo eco cinco, seis e mais vezes.
A importância
turística da Boca dos Namorados
Ainda que hoje completamente
relegado ao abandono, a Boca dos Namorados viveu anos áureos e chegou
a constituir mesmo um ponto de visita obrigatória de estrangeiros.
Desse facto aliás nos dá imensas vezes conta a imprensa da
época. Com efeito, em 1929, o Diário da Madeira na sua edição
de 7 de Março referia que quase todos os dias chegavam ao Estreito
turistas que iam admirar as cordilheiras das mais altas e grandiosas montanhas,
seguindo e voltando de rede da igreja para cima.
Em 1934 o correspondente
do Diário da Madeira, na sua edição de 1 de Abril
volta a dizer que quase todos os dias chegam a esta localidade muitos
turistas estrangeiros, ávidos para gozarem a vista das panorâmicas
que oferecem os cumes das nossas serras, sem dúvida das mais grandiosas
da nossa ilha.
Vêm do Funchal
em automóveis até à Igreja, seguindo daqui em redes,
a maior parte, e outros vão a pé calcorreando íngremes
e estreitas ladeiras, lançadas há séculos a ermos
sem conta nem medida, encontrando-se ainda na primitiva.
Na volta, estafados
não se cansam de enaltecer as belezas naturais, que, no seu dizer,
não existem no mundo.
Estrada de turismo entre
as freguesias do Estreito e de São Vicente
Todavia para que todo
este impacto turístico da freguesia verificado na altura e protagonizado
pelas suas serras e em particular pela Boca dos Namorados pudesse ser maior
haveria que dota-la de uma estrada de turismo. Esta necessidade é
aliás reclamada na imprensa da primeira metade do século
com grande insistência, principalmente a partir de 1920, altura em
que o centro do Estreito passou a ficar acessível ao trânsito
automóvel.
De acordo com o Diário
da Madeira de 14 de Outubro de 1928, a Comissão Administrativa da
Junta Geral do Distrito, continuando na sua grandiosa obra de alargamento
da rede de estradas de viação acelerada resolveu mandar proceder
à construção de uma estrada das melhores da Madeira
e aquela que certamente, maiores atracções trará para
o estrangeiro, atendendo aos maravilhosos panoramas que apresenta durante
o percurso. Trata-se da abertura de uma estrada para automóveis
entre o Estreito de Câmara de Lobos e a Encumeada de São Vicente,
passando por diversos pontos donde se descortinam surpreendentes paisagens,
como por exemplo a Boca dos Namorados, com a esplêndida vista sobre
o Curral das Freiras.
Em 1934, o correspondente
do Diário da Madeira, perante o esquecimento a que havia sido votado
este ambicioso projecto interroga-se sobre quantas e quantas vezes,
pessoas de maior talento [do que ele] têm advogado e apoiado
a ligação desta freguesia com a cumeada de São Vicente,
pela Boca dos Namorados, Jardim da Serra, etc. para depois convidar
o então Governador Civil para uma visita ao Estreito uma vez que
se o fizesse certamente que a deliberação seria imediata
para sua realização. Seria provavelmente o reactivar da antiga
estrada Real nº 25, entre o Funchal e São Vicente, no seu trajecto
entre a freguesia do Estreito e a Encumeada.
Contudo isto não
haveria de passar de um sonho. Apesar de tudo e do abandono a que foi votada
a Boca dos Namorados, ela possui terraplanada há vários anos
uma estrada de acesso automóvel. No entanto nem as condições
do seu piso o permitem, nem o local tem o mínimo de condições
para receber quem quer que seja, pese o facto de há três
anos atrás ter a Câmara incluído no seu plano de actividades
o arranjo de um miradouro, nesta localidade por forma a torná-lo
mais agradável e acolhedor aos milhares de turistas que todos os
anos visitam o concelho.
A festa de Nossa Senhora
do Livramento
Para além do seu
interesse turístico, há ainda um aspecto curioso, uma tradição
que hoje se perdeu, mas que outrora era da maior importância e que
se fosse, na sua essência reactivada e adaptada à realidade
actual, poderia ajudar a promover a localidade e obrigar a que outros projectos
mais ambiciosos fossem implementados.
Com efeito, situando-se
a Boca dos Namorados no caminho pedestre de acesso entre a, na altura,
freguesia do Estreito e o Curral das Freiras, o único que ainda
hoje faz comunicar a sede do concelho com esta freguesia, sem necessidade
de passar pelo Funchal é natural que constituísse um ponto
de paragem quase que obrigatória. Este facto associado ao grande
número de romeiros que afluíam ao Curral à Festa de
Nossa Senhora do Livramento fazia com que na segunda-feira, após
a festa , por ocasião do seu regresso, ali se propiciasse a criação
de um espaço de comércio e diversão, não só
destinado aos romeiros provenientes do Curral das Freiras e de regresso
a suas casas, como para outras pessoas que propositadamente aí se
deslocavam para os ver chegar.
Joaquim Pestana no texto
de 1879 que temos vindo a citar, refere a este propósito que nesse
dia assentam umas [...] barracas, improvisadas com pinheiros
e louro, onde os romeiros que vêm do Curral, da festa do Livramento,
saciam os seus vazios estômagos. Noutros lugares, ainda não
invadidos, colocam barracas ambulantes, menos dispendiosas, que contêm
unicamente um barril de vinho, de inferior qualidade, tendo por companheiros
uns inseparáveis copos de vidro. No meio daquelas, podemos dizer,
extravagantes barracas, e como matizando aquele enamorado sitio, vê-se
uma infinidade de cestos de fruta, com especialidade tabaibos, ameixas
e pêras [...]. Não é menos interessante contemplar
os vários grupos de camponeses com seus fatos domingueiros, munidos
da clássica viola de arame e cavaquinho, a trovarem ao desafio,
consistindo o prémio daquelas lutas, muitas vezes saudadas pelos
ouvintes, em um copo de vinho de superior qualidade.
Para além das barracas
de venda de bebidas, também havia as que vendiam carne para espetada.
Em 1935, o Diário
da Madeira, na sua edição de 23 de Agosto refere-se a esta
mesma tradição ao afirmar que
afim de assistirem ao regresso
dos romeiros, muitas pessoas do Estreito de Câmara de Lobos e freguesias
limítrofes se deslocam à Boca dos Namorados e Boca da Corrida.
Com o mesmo fim também acorrem muitas pessoas aos sítios
de Vasco Gil e Estrela, na freguesia de Santo António.
A tradição
de ir à Boca dos Namorados esperar os romeiros provenientes da festa
de Nossa Senhora do Livramento perdurou até há relativamente
poucos anos, tendo o seu fim coincidido com o acesso automóvel ao
Curral das Freiras.
Zona de laser e teleférico
No decurso de 1990 a Boca
dos Namorados volta a ser notícia. Por um lado, os responsáveis
pela então Junta de Freguesia do Estreito lançam pela primeira
vez a ideia da criação de uma grande zona de lazer naquela
área aproveitando simultaneamente o seu interesse turístico
e, por outro, a Câmara Municipal por ocasião dos 200 anos
da criação da freguesia do Curral das Freiras relança
a ideia do teleférico que da Boca dos Namorados iria até
ao Curral. Com efeito, na sessão camarária de 22 de
Março de 1990, rectificando um lapso ocorrido, aprova dar como integralmente
inscrita a deliberação tomada na reunião do dia 15,
realizada no Curral das Freiras sobre o estudo técnico da viabilidade
de montagem de um teleférico entre a Boca dos Namorados e o centro
da freguesia do Curral das Freiras.
Consciente das potencialidades
turísticas da zona alta do Estreito e da necessidade de lhes tirar
o maior benefício possível com vista ao desenvolvimento da
freguesia, os responsáveis de então pela Junta de Freguesia
do Estreito, no decurso de 1990, chamam à atenção
da Câmara Municipal para a necessidade da criação na
Boca dos Namorados ou Corrida, de uma zona de lazer com possibilidade de
instalação futura de infra-estruturas (estalagem, parque
infantil, campo de ténis, circuito de manutenção,
parque de campismo, restaurante, estruturas de apoio à realização
de piqueniques, etc.) capazes de atraírem até ao Estreito
o maior número possível de forasteiros, condição
imprescindível à continuação do desenvolvimento,
tanto da parte alta da freguesia como do seu centro. Para o efeito, recomendavam
a aquisição dos terrenos necessários, antes que o
tempo tornasse inviável esse projecto, que nem era utópico,
nem demasiado dispendioso, constituindo para além disso, uma importante
arma contra as consequências do desvio de trânsito que a via
rápida iria provocar no Estreito. Afirmava ainda a Junta de Freguesia
que, independentemente de eventuais projectos privados existentes para
desenvolver esta área, a Câmara ou outra estrutura governamental
tinha a obrigação e o dever de assegurar para si o espaço
e depois, então planificá-lo de acordo com o interesse da
comunidade, reservando uma área para que a iniciativa privada construísse
algumas infra-estruturas necessárias, com contrapartidas ou não,
e outra para o público em geral.
Todavia, infelizmente
o tempo passou e nenhuma destas iniciativas pôde ser concretizada.
Concurso de ideias
Nos últimos anos
numa atitude, onde se começa a vislumbrar algum cuidado dos responsáveis
camarários em evitar a improvisação em sectores de
importância para o desenvolvimento do concelho, os concursos de ideias
para determinados projectos começam a ganhar alguma implantação.
O arranjo urbanístico do Pico da Torre e recentemente a abertura
do concurso de ideias para a frente-mar de Câmara de Lobos são
dois desses exemplos.
Todavia é preciso
fazer mais. Tal como o Pico da Torre e frente-mar de Câmara de Lobos
justifica-se que antes de se optar pela construção do miradouro,
etc. ou por improvisações e se cometam erros graves, importa
saber o que é que se pretende afinal da Boca dos Namorados e Corrida,
tanto mais que a ligação entre o Curral e esta zona através
da estrada que está a ser construída para a Fajã das
Galinhas já não se encontra tão longe da realidade
como parecia. E este facto, pela importância turística, económica
e social a que está associado, tanto para a freguesia do Jardim
da Serra como para a do Estreito merece o maior cuidado em termos de planificação.
Havendo como julgo que
há um largo consenso na transformação de toda a área
da Boca dos Namorados e Boca da Corrida num grande e polivalente espaço
de lazer, impõe-se urgentemente que se salvaguarde tal pretensão
e que simultaneamente se abra um concurso de ideias para o local. Depois
disso então dever-se-á construir as várias infra-estruturas,
conforme a disponibilidade financeira da Câmara, se essa for a opção,
mas sempre integradas num plano global equilibrado e previamente ponderado.
Assim sendo talvez não
seja asneira sugerir que antes de se mexer na estrada e no miradouro seja
preferível encomendar uns risquinhos. Afinal não é
assim tão dispendioso abrir um concurso de ideias para o efeito!
Bibliografia:
VERíSSIMO,
Nelson. Câmara de Lobos num Almanaque, pela pena de Joaquim Pestana.
Girão Revista de Temas Culturais do Concelho de Câmara de
Lobos, nº 9, 2º Semestre, 1992: 419-421.
FREITAS,
Manuel Pedro. O Estreito de Câmara de Lobos na defesa do seu interesse
turístico. Jornal da Madeira. Funchal, 9 de Setembro de 1990.
FREITAS,
M Pedro. Carências da Freguesia do Estreito no período
1990-1993 e propostas para a sua resolução. Junta de
Freguesia do Estreito.
QUINTAL,
Raimundo. Veredas e Levadas da Madeira. S.R.E, 1994, 70-73.
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