Capela de São
António no Estreito de Câmara de
Lobos

A actual capela com
a invocação de Santo António, existente na freguesia
do Estreito de Câmara de Lobos, situa-se no sítio da Quinta
de Santo António. Foi mandada construir, por volta de 1778/80, por
D. José de Brito em substituição de uma outra existente,
na sua quinta com a mesma invocação, erecta em 1705 e que
se encontrava em grande estado de degradação. A sua bênção
teve lugar a 25 de Junho de 1780, mediante autorização dada
ao vigário local, por provisão do dia 23 do mesmo mês.
Apesar de noutras ocasiões
terem sido colocados em causa os dados publicados no Elucidário
Madeirense, apontando no sentido de que a Capela de Santo António
fora fundada por Inácio Viana do Rêgo e sua mulher, no ano
de 1705, a localização, na Câmara Eclesiástica,
de dois processo de erecção desta capela, um datado de 1705
e outro de 1779, confirmam que afinal a primitiva capela existente na freguesia
do Estreito com a invocação de Santo António foi construída
no ano de 1705, por Inácio Viana Rego e sua mulher na sua quinta,
tendo no entanto, segundo o processo de erecção de 1779,
acabado por ser destruída e reconstruída por José
de Brito, em 1778/80, nas proximidades da anterior, mas em local menos
húmido, junto à sua casa, provavelmente também edificada
ou reedificada pouco tempo antes.
Como causa de toda esta
confusão poderemos apontar o facto de em 1987, terem sido divulgados
documentos apontando que essa capela havia sido edificada por José
de Brito e benzida no ano de 1780, o que levou a que se chegasse a considerar
como errada a data de 1705, até porque se admitia que os Viana
Rêgos não teriam grandes afinidades com a freguesia do
Estreito de Câmara de Lobos, isto para além de também
se julgar que a propriedade onde foi implantada a capela de Santo António
teria estado sempre ligada à propriedade do Fôro e onde não
constam como proprietários quaisquer Viana Rêgos.
Erecção
da capela 1705 ou 1780?
Confirmando-se como se
confirma a existência de duas datas de construção para
esta capela de Santo António, tal facto vem levantar a questão
sobre a data que se deve utilizar para a referenciar, se a de 1705, sabendo-se
que a construída nesta data nada tem a ver, nomeadamente, na localização,
com a actual que foi construída em lugar diferente da primitiva
e dela apenas herdando o orago e provavelmente a cantaria da porta, se
a data de 1780, ano em que esta última terá ficado concluída
e foi sujeita a bênção! Ou seja, não deixa de
ser pertinente questionar se estamos a falar de uma ou de duas capelas
diferentes ainda que com o mesmo orago!
A primitiva capela
Segundo o Elucidário
Madeirense, Inácio Viana Rêgo, com sua mulher, Maria de
Aguiar terão em 1705 mandado erigir junto à sua residência,
na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, uma capela com a invocação
de Santo António, que terá não só dado o nome
à quinta onde viviam como ao sítio onde esta se encontra
implantada.
Ainda que neste momento
se desconheça a data em que ocorreu a sua bênção
sabe-se, através do seu processo de erecção existente
nos arquivos da Câmara Eclesiástica que a vistoria, afim de
constatar se estava de acordo com as normas exigidas para nela se poder
realizar o culto religioso, teve lugar no dia 1 de Dezembro do ano de 1705,
o que nos leva a admitir que a sua bênção poderá
ter acontecido poucos dias depois, como era hábito noutras capelas.
Dos seus proprietários
e fundadores pouco se conhece, para além dos seus nomes, não
sendo de excluir a existência de eventuais relações
dos Cairos de São Martinho com os
Leais do Estreito.
Desconhecida é
também a forma como a quinta terá passado para a posse de
José de Brito, proprietário de outros terrenos, no Estreito,
nomeadamente da extensa propriedade do Foro, onde se encontrava implantada
a capela de Nossa Senhora do Socorro, actualmente de Nossa Senhora da Consolação,
mandada, edificar por Gonçalo Leal Faria, de acordo com um seu testamento
de 1683.
A construção
da actual capela
 Encontrando-se a capela
em avançado estado de degradação e não sendo
viável o seu restauro, José de Brito vê-se na obrigação
de a substituir por outra. Conforme petição nesse sentido
efectuada, ao bispo do Funchal, em finais de Julho princípios de
Agosto de 1778, dizia que possuía na sua Quinta sita na freguesia
de Nossa Senhora da Graça do Estreito de Câmara de Lobos uma
capela pública de invocação de Santo António
com sua tribuna, em que ouve missa com a sua família a qual além
de estar indecente e sem regularidade por ser muito antiga, está
tão arruinada que já se não entra nela sem terror
e perigo por estarem todas as paredes abertas e em partes já apartadas
da armação da mesma capela e porque não admite conserto
ou reforma, e necessita de ser reedificada desde os alicerces, e também
porque o sítio onde está é muito aterrado, e por isso
tão húmido que corrompe todos os ornamentos e paramentos,
ficando estes em pouco tempo indecentes e indignos de servirem; para evitar
estes inconvenientes pretende ele suplicante mudar a referida capela para
outro sítio imediato mais alto e bem arejado, enxuto e acomodado
[...].
Depois da necessária
autorização foi esta capela construída e alvo de bênção
a 25 de Junho de 1780, na sequência da autorização,
dada pelo Bispo D. Gaspar da Costa Brandão, na sua Provisão
de 23 de Junho de 1780.
Na sua construção
é possível que as cantarias da porta da antiga capela tenham
sido aproveitadas e, se não o foram, alguém terá nelas
gravado a data de 1703, que poderá corresponder ao ano de construção
da primitiva capela de Santo António.
A bênção
da actual capela
De acordo com a Provisão
que autorizava a bênção era dado a saber que por sua
petição nos enviou a dizer; que a capela de Santo António
que tinha [D. José de Brito]
edificado com licença
nossa na Quinta que possui na freguesia do Estreito de Câmara de
Lobos se achava completamente acabada, e em termos de nela se dizer
missa, pedindo-nos por fim de sua suplica fosse-mos servidos dar licença
para se benzer, e depois de benta nela se poder celebrar, o que sendo por
nós visto, constar do auto de vistoria achar-se perfeitamente acabada,
ornada e paramentada dos ornamentos necessários: Havemos por bem
conceder licença ao Reverendo Vigário da dita freguesia para
que na forma do Ritual de Paulo 5º possa benzer a dita capela, e depois
de benta concedermos se diga missa nela, ficando sujeita a nossa jurisdição
ordinária para poder ser visitada, e para tudo o mais que determinarmos,
com clausula também de se não poder impedir aos fieis, que
nela quiserem ouvir missa, nem também impedir os sacerdotes, que
na mesma tiverem devoção, celebrar, e feita a dita bênção
se passará certidão nas costas desta que será remetida
à Câmara onde será registada. Dada no Funchal sob nosso
sinal e selo de nossas armas aos vinte e três dias do mês de
Junho de mil setecentos e oitenta.
No dia 25 de Junho de
1780, o padre Manuel Borges de Alemanha, vigário da paróquia
de Nossa Senhora da Graça do Estreito de Câmara de Lobos,
procede à sua bênção passando a seguinte certidão:
Certifico que em virtude do alvará retro, e pela comissão
que nele me concedeu o Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Bispo, benzi a capela de Santo António novamente erecta nesta freguesia
na Quinta de D. José de Brito observando em tudo o que manda o ritual
do Santíssimo Padre Paulo 5º em semelhantes funções,
e para que conste passo esta que a firmo. Estreito de Câmara de Lobos
vinte e cinco de Junho de mil setecentos e oitenta.
Os proprietários
da actual capela
Construída por
D. José de Brito Herédia, filho de D. Sancho Gaspar Leal
Herédia e de Margarida Betencourt e Sá Vilela Acciaiuoli,
a capela de Santo António viria a estar nas mãos dos Herédias
até ao início da segunda metade do século XIX. A José
de Brito sucede na propriedade da capela, sua filha Antónia
Basílio, que viria a casar com António de Saldanha Gama,
conde do Porto Santo. Não tendo descendentes directos, o conde do
Porto Santo viria a transmitir a propriedade dos seus bens para o conselheiro
Francisco Correia Herédia, sobrinho materno de José de Brito.
Posteriormente as propriedades
dos Herédias no Estreito de Câmara de Lobos e das quais faziam
parte tanto a capela de Nossa Senhora da Consolação como
a de Santo António, seriam vendidas a Francisco Pinto Correia.
Francisco Pinto Correia
era natural do Funchal, onde nasceu na freguesia de São Martinho,
por volta de 1827, tendo falecido na freguesia de São Pedro, no
Funchal, a 11 de Agosto de 1889. Era filho de Francisco e de Antónia
Júlia Correia. Foi casado por duas vezes. Foi sua primeira mulher,
Jesuína Cândida Correia, que faleceu na freguesia de São
Pedro, a 25 de Agosto de 1879 e de quem houve seis filhos: Matilde Augusta
Correia, Francisco Pinto Correia Júnior, José Pinto Correia,
Guilherme Pinto Correia, João Pinto Correia e Augusto Pinto Correia.
Foi sua segunda mulher, Luísa Augusta de Ornelas, com quem casou depois
de ter ficado viúvo e de quem também houve seis filhos: Patrício
Pinto Correia, Alfredo Pinto Correia, Maria Conceição Pinto
Correia e Bela Alice (Alice Manuel) Pinto Correia, Gabriela Pinto Correia
e Leolinda Pinto Correia.
Por morte de Jesuína
Cândida Correia, sua primeira mulher e com quem havia casado em Demerara,
onde estivera emigrado, entre outras propriedades, a quinta de Santo António,
com sua casa de residência e capela passa para dois dos seus filhos:
Guilherme Pinto Correia e Augusto Pinto Correia.
Guilherme Pinto Correia
era natural da freguesia do Funchal, onde nasceu na freguesia de São
Pedro a 27 de Janeiro de 1866. Casou na igreja do Socorro, em Lisboa, a
17 de Março de 1894, com Inácia Augusta de Seixas Alves
Correia (m. 02/07/1967) e faleceu no Funchal a 27 de Março de 1950.
Por sua morte, a parte que detinha na quinta de Santo António, passa
para seu filho Ernesto Alves Pinto Correia.
Ernesto Alves Pinto Correia
era natural da freguesia de São Pedro, Funchal, onde nasceu a 7
de Janeiro de 1895. Foi casado com Maria da Graça Figueira de Barros,
filha de Francisco Nunes Pereira de Barros e de Alice Georgina Figueira
da Silva e faleceu no Funchal, a 17 de Julho de 1973. Por sua morte, sucedeu-lhe
na posse da parte que detinha na quinta de Santo António, as suas
duas únicas filhas: Maria Fernanda de Barros Pinto Correia e Maria
Luisa de Barros Pinto Correia.
Augusto Pinto Correia,
o outro dos filhos de Francisco Pinto Correia que juntamente com Guilherme
Pinto Correia ficou co-proprietário do núcleo da quinta de
Santo António, era natural do Funchal, onde nasceu por volta de
1868, na freguesia de São Pedro. Foi casado com Maria Júlia
Pinto Correia e faleceu a 29 de Setembro de 1944, na freguesia do Estreito
de Câmara de Lobos. Por sua morte, a parte que detinha na quinta
de Santo António passa para a posse de sua filha Maria Inocência
Correia Flores.
Maria Inocência
Correia Flores, era natural do Funchal onde nasceu na freguesia de São
Pedro no ano de 1896. Foi casada por duas vezes, a segunda das quais com
António Luís Flores e de quem houve dois filhos: Venceslau
Correia Flores e Sebastião Correia Flores. Faleceu, na freguesia
do Estreito de Câmara de Lobos, a 23 de Setembro de 1977. Por sua
morte, sucede-lhe na parte que possuía na quinta de Santo António,
seu filho Venceslau Correia Flores, casado com Luísa Caeiro Flores.
A 12 de Novembro de 1979,
por escritura lavrada, em Câmara de Lobos pelo notário Manuel
Figueira de Andrade no Livro 381-B, fls. 24, a quinta de Santo António,
incluindo a sua capela são vendidas por Maria Fernanda de Barros
Pinto Correia, Maria Luisa de Barros Pinto Correia e Venceslau Correia
Flores, a João Gonçalves Júnior, natural da freguesia
do Estreito de Câmara de Lobos e morador no sítio do Foro
que, por sua vez, a 20 de Março de 1990, a vende a João
Figueira da Silva, natural da freguesia do Estreito de Câmara de
Lobos e na altura, residente ao sítio do Castelejo, conforme escritura
lavrada pelo notário Manuel Figueira de Andrade, a fls. 92 do Livro
469-A.
Obras de restauro
Admitindo que várias
obras de manutenção ou restauro se tenham realizado ao longo
dos anos, é de supor que desde a sua edificação em
1778/80 estas terão atingido significativa importância no
ano de 1866. Com efeito, esta data surge evidenciada não só
no frontal da entrada da quinta de Santo António, como também
no chão em frente da capela, o que faz adivinhar da dimensão
das obras então realizadas. Ao ser a quinta de Santo António,
adquirida por Francisco Pinto Correia, é de admitir que tanto a
capela como a residência se encontrassem em significativo estado
de degradação, uma vez que os seus anteriores proprietários
não só não residiriam na freguesia do Estreito, como
as terão deixado ao abandono, situação que o terá
levado a realizar obras, obras que muito provavelmente explicam a data
de 1866. Depois ter-se-ão realizado obras de menor importância,
envolvendo não só a capela como também a entrada da
quinta por forma a permitir o trânsito automóvel, até
que, no início da década de 80, após a aquisição
da quinta e capela por parte de João Gonçalves Júnior,
importantes obras têm lugar, mas desta vez desvirtuando, perante
a cumplicidade da Câmara, toda a sua arquitectura, tanto ao nível
do interior e exterior da capela, como o solar e espaços anexos.
Como curiosidade refira-se
que tanto a imagem de Santo António como o sino da capela, este
datado de 1871, terão sido, entre 1977 e 1979 retirados da capela
e colocados à venda numa casa de leilões, tendo sido adquiridos
por João Mário Figueira, natural do Estreito de Câmara
de Lobos, facto que levou João Gonçalves Júnior, a
quando das obras efectuadas na década de 80, a ter de adquirir não
só outra nova imagem como outro sino para a capela.
O culto a Santo António
Ainda que se desconhecendo
a dimensão do culto popular feito pelas populações
locais ao orago da capela, sabe-se que, uma das primeiras festividades
em honra de Santo António, realizada neste século, nesta
capela, terá acontecido no ano 1949. Com efeito, segundo o Jornal
da Madeira de 10 de Junho de 1949 nesse ano seria celebrado festa nesta
capela de Santo António no Estreito de Câmara de Lobos, festividade
que havia aproximadamente 50 anos que não se fazia.
Nos últimos anos,
contudo, as populações locais têm vindo a organizar
festejos em sua honra e que habitualmente têm lugar no dia 13 de
Junho ou no domingo imediatamente a seguir, se o dia 13 coincidir com um
dia de semana. Por essa ocasião, para além da animação
musical tem lugar o lançamento de balões e, desde 1991, numa
iniciativa da Casa do Povo do Estreito, tem vindo a realizar-se com alguma
regularidade marchas populares.
Notas:
Na sua edição
de 15 de Agosto de 1987, o Jornal da Madeira numa reportagem sobre a freguesia
do Estreito, com base em dados fornecidos pelo cónego Manuel Gonçalves
Pita, na altura pároco do Estreito de Câmara de Lobos, faz
um breve historial sobre as capelas onde refere o nome de José de
Brito como construtor da capela de Santo António e o ano de 1780
como o da sua bênção, dados que coincidem tanto com
a provisão de autorização de bênção
como do auto de bênção e que nada faziam suspeitar,
que antes havia existido no local outra capela com a mesma invocação.
Foi aliás com base
nestes documentos, bem como nas referências publicadas na obra do
padre Fernando Augusto da Silva, Subsídios para a História
da Diocese do Funchal, que fundamentei o meu raciocínio, ao
abordar este tema, na edição de 6 de Setembro de 1998, do
Jornal da Madeira.
Bibliografia:
HERÉDIAS.
Nobiliário de Henrique Henriques de Noronha, pag.348-349.
SILVA, F. Augusto, MENEZES,
C. Azevedo. Santo António (capela de). Elucidário
Madeirense. III Volume. DRAC, 1984, pág.
SILVA, F. Augusto. Santo
António (capela de). Subsídios para a História
da Diocese do Funchal, 1946, pág. 360.
FREITAS, M. Pedro.
Capela de Nossa Senhora da Consolação. Jornal da Madeira,
13 de Setembro de 1998.
Registo Geral da Câmara
Eclesiástica, Livro 4º fls. 187vº e 188.
Processos de erecção
da Capela de Santo António de 1705 e 1779. Câmara Eclesiástica
do Funchal.
Manuel Pedro Freitas
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