Colégio da Preservação
O Colégio da
Preservação situava-se no sítio do Espírito Santo, na
freguesia de Câmara de Lobos, e funcionava em instalações
anexas à capela do Espírito Santo. Criado pelo Padre João
Joaquim de Carvalho, para proteger as raparigas provenientes
das classes mais desfavorecidas, principalmente da classe
piscatória, este colégio haveria de desempenhar, no tempo em
que com esse objectivo funcionou, um importante papel de
âmbito social e educacional. Posteriormente, em consequência
das alterações que ao longo do tempo se foram verificando
quer na própria sociedade quer em termos de alternativas de
assistência e protecção social, afastar-se-ia dos objectivos
para que havia sido criado e transformar-se-ia, no actual
externato ou escola do Espírito Santo.
Vivendo a classe
piscatória, num ambiente de miséria, grande promiscuidade e
correndo as jovens grandes riscos morais ou ainda de serem
utilizadas sexualmente a troco de pequenas contrapartidas
materiais, o padre João Joaquim de Carvalho, através da
Ordem Terceira de São Francisco de Assis, de Câmara de
Lobos, de que era presidente, toma, em 1923
[1],[2],
a iniciativa de criar uma escola de regeneração para estas
jovens desprotegidas. Esta ideia, não só é bem aceite pela
população, particularmente pelas bordadeiras que, por
sugestão do padre Carvalho, se organizam em núcleos por cada
sítio com a finalidade de trabalharem na angariação de
fundos, como por parte dos membros da chamada sociedade de
então
[3],[4].
Do aparecimento da ideia à sua concretização foi um passo e
logo surgiu quem se disponibilizasse a ceder, para o efeito
duas salas da sua residência. Contudo, apesar desta oferta,
protagonizada por D. Maria Eugénia Bianch Henriques
[5],
a escola haveria de ficar instalada na capela do Espírito
Santo e casa anexa, de que era detentor, por portaria 3.393
de 29 de Novembro de 1922, a Ordem Terceira de São Francisco
de Assis de Câmara de Lobos
[6],
[7].
A Congregação de N. S. das Vitórias
Logo após a sua fundação,
este colégio foi entregue à responsabilidade da Congregação
de Nossa Senhora das Vitórias, que aí se instalam no dia 13
de Outubro de 1923, com uma equipa constituída pelas irmãs
Maria de São Gabriel Ferreira (superiora), Maria Otília da
Silva, Maria Matilde Gonçalves e Maria da Natividade de
Melim. A direcção do colégio ficou, contudo, sob a
supervisão directa do padre João Joaquim de Carvalho que, em
1931, se fez substituir pelo padre Abel Ferreira
[8].
Amparar moral e
religiosamente as filhas dos pescadores, como ainda lhes
ensinar costura e a ler, constituíam os mais importantes
objectivos do colégio.
Os objectivos do colégio
A este propósito, o padre
Joaquim de Carvalho recordava, em 1933, da seguinte forma,
numa entrevista ao Jornal da Madeira a origem do colégio:
Os filhos dos pescadores, em geral, acompanham os pais na
rude e perigosa faina da pesca, mas as filhas... essas
coitadas com a decadência da industria dos bordados
começavam a entregar-se à mendicidade, indo até ao Funchal,
na emergência de grandes perigos morais. [...] Embora
haja muito boa gente que dê esmola com espírito de caridade,
há outros que a dão com intuitos miseráveis. Eis a origem do
colégio da Preservação cujo fim [...] é amparar moral
e religiosamente as rapariguitas desde os 7 aos 18 anos,
chegando-se mesmo a lhes dar de comer para assim se evitar
que elas vão pedir esmolas, pelo que como já dissemos correm
grandes perigos morais
[9].
Da mesma forma, os
estatutos da Ordem Terceira de São Francisco de Assis na sua
reformulação de 24 de Março de 1933, no seu artigo 4¼.,
focam os objectivos do colégio da Preservação da seguinte
forma: [...] esta assistência atenderá com a máxima
compaixão às crianças pobres reunidas em uma casa já
concedida a esta Ordem Terceira [...] que servirá de
recolhimento diurno de preservação e assistência a crianças
pobres, do sexo feminino, da classe piscatória e de outras
classes indigentes, às quais deverão ministrar-se alguns
socorros em alimentos e roupas e ensino de trabalhos
domésticos que lhes permita viver no futuro honestamente
[10].
A escola da Preservação era assim o oásis em cuja sombra se
acolhiam, durante o dia, as raparigas pobres da vila e,
onde, livres do contacto com más companhias e maus costumes,
estudavam e trabalhavam em obras diversas como bordados,
renda, costura e meias. Ë noite regressavam a casa de seus
pais, a maior parte deles pescadores e onde de uma forma ou
de outra acabavam por lhes transmitir a educação e os
exemplos que recebiam nesta instituição
[11].
As dificuldades do colégio
No entanto, muitas
dificuldades foram necessárias ultrapassar para manter esta
instituição a funcionar, particularmente até 1933, altura em
que, a par dos donativos provenientes da Ordem Terceira de
São Francisco e de ocasionais benfeitores, ela passa a
beneficiar de um apreciável apoio por parte das entidades
oficiais: Governo Civil, Assistência Distrital, Câmara
Municipal de Câmara de Lobos, Assistência Nacional Dia
Madeirense e principalmente a Junta Geral do Funchal.
Durante esta primeira fase da vida do colégio da Preservação
as irmãs passaram por grandes privações e viram-se muitas
vezes obrigadas, após um dia de árdua dedicação às crianças,
a trabalharem pela noite dentro com o fim de angariarem
meios para poderem manter a instituição, chegando algumas,
inclusive a superiora a verem afectada a sua saúde
[12].
Subscrições públicas efectuadas principalmente no Funchal,
realização de festas de caridade (bazares, festas da flor),
donativos provenientes de benfeitores e dinheiros
provenientes do trabalho de alguns núcleos de bordadeiras da
freguesia constituíam, nesta altura, a principal fonte de
receita desta instituição, que nos três primeiros anos era
conhecida por Colégio da Regeneração
[13].
A introdução de uma sopa
No dia 22 de Junho de
1933 é introduzida uma sopa regular, dada duas a três vezes
por semana, facto que, veio criar um incentivo à frequência
da instituição, por parte das filhas dos pescadores,
passando de 160 sopas por dia, no início, para 250 ou mais
um ano depois, período ao longo do qual foram servidas
26.274 sopas e a que correspondeu um custo de 14.248$25
[14].
Por outro lado, o acesso a esta refeição veio, também,
colmatar algumas carências alimentares de muitas crianças,
cujo estado de fraqueza era tão grande que não as deixava
trabalhar, chegando mesmo a desmaiarem.
A educação musical era
também um aspecto não descorado pelas irmãs de Nossa Senhora
das Vitórias, chegando o colégio a possuir uma Schola
Cantorum
[15],[16].
Em Julho de 1934, a
Câmara resolveu construir um fontenário à porta do Colégio
da Preservação para utilidade pública, o que para além de
servir o público veio facilitar o colégio, uma vez que este,
não possuindo água canalizada, se via em dificuldades por
causa da sopa
[17].
Em Abril de 1946, a
Câmara Municipal de Câmara de Lobos manda adaptar um salão
situado nas proximidades da capela do Espírito Santo, para
aí instalar uma escola de ensino primário, cuja direcção
entrega às irmãs de Nossa Senhora das Vitórias, tendo as
aulas início a 28 desse mesmo mês
[18].
A exiguidade das instalações
Em 1952 a casa de
residência das sete religiosas que, na altura, viviam no
colégio da Preservação e constituíam assim o quadro docente,
possuía unicamente dois quartos de dormir e uma minúscula e
escura sala de jantar, espaço naturalmente exíguo e que de
certo modo reflecte, as inúmeras carências porque ao longo
dos tempos passaram as Irmãs de Nossa Senhora das Vitórias
nesta sua obra de assistência em Câmara de Lobos
Com o apoio proveniente
não só das entidades oficiais como de outros benfeitores,
foi não só possível assegurar a continuidade da sopa
ministrada às crianças, como realizar importantes
melhoramentos na capela e casa anexa, onde funcionava o
colégio, particularmente a partir de 1980, altura em que
foram as suas instalações substancialmente ampliadas.
Ao longo dos anos muitas
foram as jovens a quem foi dada oportunidade de terem uma
adequada formação moral e religiosa. Até 1952, pelo menos 12
jovens já haviam enveredado pela vida religiosa, passando a
serem membros da Congregação de Nossa Senhora das Vitórias e
entre 1933 e 1951 haviam-se matriculado no colégio cerca de
4.000 crianças
[19].
Em 1952, de acordo com o
Jornal da Madeira de 27 de Julho o colégio possuía 150
alunas externas que aprendiam o 1º e 2º grau, religião e
trabalhos manuais e domésticos.
O fim do colégio da Preservação
No entanto, por
circunstâncias várias, a que provavelmente não será alheia
uma alteração progressiva das condições de vida dos
pescadores e dos meios e metas que, em termos de educação,
estavam ao seu alcance ao tempo da sua criação, o colégio
acabaria depois, por se afastar gradualmente, sem podermos
precisar quando, dos objectivos para que foi fundado, para
se transformar, exclusivamente, num estabelecimento de
ensino primário particular.
Desta forma, através do
alvará n¼ 1218 de 12 de Agosto de 1952, é concedido à
Congregação das Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias,
autorização para funcionamento de uma escola primária para o
sexo feminino, denominada de Escola da Preservação.
A escola do Espírito Santo
Com esta denominação
permaneceu este estabelecimento de ensino até 1981, altura
em que, por Despacho de 13 de Outubro do Secretário Regional
da Educação e Cultura, passa a chamar-se de Escola do
Espírito Santo. Em 22 de Maio de 1984 é autorizado o
funcionamento da escola em regime de coeducação, ou seja
misto e mais recentemente, seria colocado em funcionamento
um sector de educação infantil.
A par da actividade
escolar os membros da Congregação das Franciscanas de Nossa
Senhora das Vitórias presentes na escola, colaboram
activamente na formação cristã das crianças da paróquia onde
o estabelecimento de ensino está sitiado.
[1]
Diário da Madeira, 11 de Abril de 1923.
[2]
Diário da Madeira,19 de Abril de 1923.
[3]
Diário da Madeira, 11 de Abril de 1923.
[4]
Diário da Madeira,19 de Abril de 1923.
[5]
Diário da Madeira,19 de Abril de 1923.
[6]
Diário do Governo, I série, n¼. 248, de 30 de Novembro
de 1922.
[7]
O Jornal, 1 de Setembro de 1934.
[8]
Jornal da Madeira, 27 de Julho de 1952.
[9]
O Jornal, 8 de Agosto de 1933.
[10]
Jornal da Madeira, 27 de Julho de 1952.
[11]
O Jornal, 18 de Junho de 1927.
[12]
Jornal da Madeira, 27 de Julho de 1952.
[13]
O Jornal, 8 de Janeiro de 1924.
[14]
O Jornal, 7 de Julho de 1934.
[15]
O Jornal, 7 de Julho de 1934.
[16]
O Jornal, 1 de Setembro de 1934.
[17]
O Jornal, 7 de Julho de 1934.
[18]
Diário de Notícias, 15 de Abril de 1946.
[19]
Jornal da Madeira, 27 de Julho de 1952.