Correia,
Capitão Armando Pinto
Nasceu
no Estreito de Câmara de Lobos a 3 de Setembro de 1897, na quinta
de Santo António, residência de seus pais, Guilherme Pinto
Correia e Inácia Augusta de Seixas Alves Correia.
Frequenta
o liceu do Funchal, onde se matricula em Outubro de 1907 e as
faculdades de Ciências de Lisboa e Coimbra e em 1917 ingressa na
Escola de Guerra. Nesse mesmo ano incorpora-se na legião de cadetes
que haveria de colocar Sidónio Pais no poder. É promovido a
alferes no dia 30 de Março de 1918 e quatro meses mais tarde é
mobilizado para França, incorporando o Corpo Expedicionário
Português, na Primeira Guerra Mundial. Regressa a Portugal em Julho
do ano seguinte com dois louvores.
Em
Novembro de 1919 é colocado no Regimento de Infantaria 27,
Companhia de Metralhadoras Pesadas, no Funchal. Pouco tempo depois
conhece a mulher com quem no dia 23 de Janeiro de 1924 viria a
casar, D. Teresa de Sousa Pinto Correia. A 3 de Setembro do mesmo
ano, em virtude de um artigo publicado no n° 141 do Jornal da
Madeira no qual «se refere ao
poder executivo em termos inconvenientes atentatórios da
disciplina e ofensivos dos seus superiores» [1]
é castigado pelo ministro da Guerra a 10 dias de prisão, que
cumpre no Palácio de São Lourenço, e transferido para o
Continente, onde é colocado no Regimento de Infantaria 10
aquartelado em Bragança, acabando contudo por ficar em Lisboa,
prestando serviço na Garagem Militar.
A
21 de Novembro de 1924 é nomeado ajudante de campo do General Gomes
da Costa. No dia 18 de Abril de 1925 participa na revolta
nacionalista do General Sinel de Cordes, pronunciamento percursor da
revolução de 28 de Maio de 1926, de que foi o único ferido em
combate [2].
Internado e preso no hospital da Estrela e depois no Forte de S.
Julião da Barra é posteriormente, julgado e absolvido e em
Setembro vai para Bragança, onde havia sido colocado no Regimento
de Infantaria 10 e onde apenas estaria cerca de um mês e meio,
regressando a Lisboa no dia 21 de Novembro, em virtude de ter sido
novamente, nomeado ajudante de campo do General Gomes da Costa.
«Inconformista
da situação política de descrédito e ruína nacional estimulou
e conspirou febrilmente, como ajudante de Gomes da Costa, aliciando
altas patentes do exército português para a arrancada patriótica
de Braga. Armando Pinto Correia foi, nessa difícil emergência
revolucionária fulcro
e alavanca, vigorosa e tenaz, pode dizer-se, do assombroso sucesso
da revolução. Sabe-se que no momento crítico de iniciar marcha
para Braga, Comes da Costa deixou aflorar no rosto um esboço de
hesitação, logo compreendido e coberto por Armando Pinto Correia
que, tomando-lhe o braço com a confiança e amizade que desfrutava
junto daquele inconfundível cabo de guerra, lhe disse decidido
e forte: Meu General, agora é que tem de ir» [3].
E assim o 28 de Maio de 1926 acontece, não para impor dita duras
ao país como afirma o General Gomes da Costa a 6 de Novembro de
1926 [4],
mas para salvar a pátria. «Este
movimento não tem, nem podia ter, semelhança com as revoltas e
revoltinhas que têm maculado a vida da República. É um movimento
grandioso de patriotismo elevado e nobre, que requer, para
triunfar, homens de fé e envergadura, [...]
e o seu fim não pode ser a substituição dum ministério por
outro semelhante» [5].
Apesar de a Gomes da Costa caber o primeiro lugar no movimento do
28 de Maio, outros, como o comandante Cabeçadas, que nele menos
importância tiveram, foram ganhando cada vez mais força e, no dia
9 de Julho de 1926, através da constituição de um Governo
presidido pelo General Fragoso Carmona, Gomes da Costa vê-se
obrigado a abandonar o poder.
No
dia 10 de Julho de 1926 Armando Pinto Correia é preso juntamente
com o General Gomes da Costa no Palácio de Belém e embarca depois
a bordo da fragata D. Fernando para exílio nos Açores, ficando
na Ilha de S. Miguel, enquanto que o General Gomes da Costa ficaria
na Terceira. Em Abril de 1927, vai sem licença à Ilha Terceira
para se encontrar com o General Gomes da Costa, e «dissuadi-lo
de aceitar o posto de Marechal com que pretendiam contentá-lo e
apaziguar» [6],
sendo contudo castigado e transferido para a Horta pela ordem do exército
de 30 de Abril de 1927, e onde exerce as funções de instrutor de
metralhadoras para oficiais, professor e depois director do curso
regimental e comandante da escola de recrutas. Recebe um louvor. A
1 de Janeiro de 1928 embarca para Lisboa, sendo colocado no batalhão
de caçadores 10, em Pinhel, mas não sai da capital, ficando adido
ao ministério da Guerra até ao dia 15 de Abril, altura em que em
barca com destino a Timor, onde chega no dia 27 de Junho. É nomeado
ajudante de campo do governador Teófilo Duarte e ao mesmo tempo
chefe da secção de metralhadoras pesadas. No dia 17 de Setembro de
1928 toma posse do lugar de administrador da circunscrição de
Baucau «cargo que exerceu,
com superior competência» [7]
até 6 de Janeiro de 1934, altura em que é exonerado e nomeado
chefe da Repartição das Obras Públicas da colónia de Timor.
Durante esse período por duas vezes foi louvado, a primeira no dia
4 de Fevereiro de 1930 pelo modo como «procurou
melhorar tanto moral quanto fisicamente os povos entregues à sua
administração, nomeadamente a mocidade, fazendo-a sair do estado
atrasado em que se encontrava, para transformar em gente vigorosa e
saudável no futuro, promovendo para isso a construção de escolas
por cotizações dos povos sem dispêndio para o Estado, onde
lhe era ministrada uma educação física e moral, a par do amor
por Portugal, culto pela bandeira, prática da nossa língua e ao
mesmo tempo uma instrução aperfeiçoada sobre a agricultura,
criando-lhe o gosto pela terra [...]» [8].
Em Março de 1933 era «louvado
pela notável obra administrativa em que revelou qualidades inexcedíveis
de trabalho, competência, zelo, dedicação e o maior interesse
pela administração que lhe estava confiada, muito
particularmente nos trabalhos de expansão agrícola em toda a área
da Circunscrição, de educação dos indígenas, em que imprimiu
uma orientação verdadeiramente notável e adequada não só
resolvendo o problema da instrução [...],
mas também da assistência infantil» [9].
A 18 de Junho de 1934 é nomeado Administrador de primeira classe de
Díli e simultaneamente também presidente municipal da mesma
cidade.
«O
aspecto que mais se destaca naquela vida tão intensamente vivida,
foi a sua actuação como administrador colonial [...].
O seu vigoroso arcaboiço de atleta permite-lhe dispor duma capacidade
de trabalho espantoso, que derrancava os seus colaboradores e os
deixava esgotados a meio do caminho que ele trilhava até ao fim,
sem esforço exterior» [10].
«Timor que era quase morto,
ressuscitou para uma vida intensa de fomento e progresso económico,
social, agrícola, cultural, militar e urbanístico. Impôs conciliação
entre povos gentios desavindos e fez respeitar pelos vizinhos a
integridade nacional do seu território» [11].
No
dia 30 de Junho de 1934 termina em Mafra, o tirocínio para Capitão
deixando a vida militar para ingressar no quadro administrativo.
No
dia 13 de Julho de 1934 é nomeado Inspector Administrativo das Colónias,
cargo que toma forma legal pelo decreto de 7 de Agosto, e do qual
toma posse no dia 23. No dia 5 de Outubro do mesmo ano é
condecorado com as medalhas de Avis e do Império Colonial[12], [13].
Pelo
decreto de 31 de Dezembro de 1934 é transferido para Angola tendo
no dia 21 de Fevereiro de 1936 sido nomeado Inspector-Chefe dos
Serviços Administrativos de Angola por «justo
prémio dos seus serviços» [14]. No entanto, no dia 23 de Agosto de 1936 deixa Angola
para tomar conta do mesmo cargo em Moçambique. A 27 de Maio de 1941
é nomeado governador da Província de Zambézia, "supremo
galardão do seu tacto administrativo, fé nacionalista e dedicação
patriótica" [15].
Toma posse deste cargo no dia 11 de Agosto. "Era a mais alta consagração feita à sua actividade política e
militar para integração de Portugal nos rumos da tradição e história"
[16].
«O
privilegiado talento de Armando Pinto Correia, a envergadura moral
do seu carácter, respeito pela lei, guarda fiel da justiça e
servidor leal da Pátria não o deixaram a bem com a política [...]
dominante em Moçambique, que lhe moveu guerra sem tréguas, por não
ceder, intransigentemente, aos potentados do capitalismo, aos
indesejáveis do comércio e da traficância, a especulações e
manigâncias sectárias, não sem apoio de protecções
e transigências
alheias. Assim, levantaram-se dificuldades insuperáveis à recta
e zelosa administração de Pinto Correia, ilaqueando-o em sua
liberdade e actos até o esgotarem tragicamente para a vida e para a
Nação»
[17],
pondo termo à vida no dia 29 de Janeiro de 1943.
Armando
Pinto Correia não se distingiu apenas como político e militar, ele
foi também escritor e jornalista. "Muito
novo ainda, quando frequentava o Liceu
do Funchal começou a revelar-se como escritor de
primorosas qualidades. Com a idade e os estudos foi pouco a pouco enriquecendo a sua cultura sendo à altura
da sua morte considerado como um dos mais ilustrados
oficiais portugueses" .
Em
1914 funda e dirige o jornal "Vida Académica". Em 1915
entra para o "Jornal de Coimbra" como seu redactor
principal e onde neste posto "a sua pena moça se
distinguiria pelos temas abordados e pelo estilo
palpitante de que, decididamente, podia fazer gala, como jornalista do seu tempo" .
Em 1920 inicia a sua colaboração no Diário de Notícias do
Funchal. Nesta altura subscreve uma crítica literária, pouco
elogiosa, sobre o livro de versos Frutos do poeta madeirense Jaime Sanches Câmara. Tal facto gerou,
então, uma das mais agitadas polémicas
travadas na imprensa local e que resultaria na publicação, em
1921, do livro "Um poeta em frangalhos".
Neste
volume revelam-se as suas "qualidades
excepcionais do crítico, do jornalista panfletário: a análise
literária remordente, o poder
cáustico da ironia, o iconoclasta severo, o ginasta das figuras de
pensamento" .
Apesar de constituir um modelo de polémica incisiva e contundente, "não
é certamente o mais válido documento dos primores indiscutíveis
do escritor de prosa tersa e imagem animada, ardente" .
"Estanciando donde em onde em Lisboa e na sua terra os últimos
anos do primeiro quartel do século, o Jornal
da Madeira [...] publicou
inúmeras crónicas (suas) que
versavam a política portuguesa. Eram artigos de
inconformismo respeitante a uma orgânica governativa inadequada,
cuja pena contundente, intrépida, tagantava a súcia dos que,
investidos de poder, não
tinham independência dele. A vida portuguesa da
época encontrou em Armando Pinto Correia um dos
seus mais argutos observadores" .
Em
1926 funda e dirige a "Revolução Nacional". Publica, em
17 de Janeiro de 1935, o livro "Gentio de Timor".
Resultado de um profundo conhecimento do povo e vida de Timor, onde
viveu cerca de seis anos, a maior parte dos quais como administrador
da mais populosa das suas circunscrições, a de Baucau, esta obra
valer-lhe-ia o 1º lugar no Concurso de Literatura Colonial desse
ano. Para Arnold Van Gennop da Revista Mercure de France "Como monografia
descrita, este volume merece sem dúvida ser
enfileirado entre os melhores
do mundo. Os menores detalhes da vida social indígena, desde o
nascimento até à morte encontram-se descritos com precisão e de
tal maneira que se pode seguir perfeitamente o comportamento
das pessoas e o seu ambiente, os ritos e as crenças
subjacentes" .
Em
1944, e já postumamente, é publicado o livro "Timor de Lés a
Lés". "Este livro é uma
compilação póstuma de
trabalhos dum homem, que não pensando na
sua publicação, não os reviu, corrigiu, limou, ressentindo-se
assim do ar de improvisação com que foram lançados ao papel.
Se ele não é caracterizado pelos primores de estilo que se
observa no "Gentio de Timor"
e no "Poeta em Frangalhos", obras trabalhadas com
cuidado e carinhos antes de serem publicadas, o facto [...] de
ser, na sua maioria resultado dum descuidadoso passatempo,
mostra-nos a espantosa facilidade de expressão de que dispunha o
seu autor" [24].
"Timor
de Lés-a-Lés" é um repertório corográfico e etnográfico
de toda a ilha. Descreve com grande minúcia os rituais e estilos
usados pelos indígenas, dá-nos curiosas informações acerca do
casamento ou
barlaque. Estuda a moral, os
bons ou maus costumes indígenas.
A cada mal aponta o seu remédio" .
"Era
uma personalidade complexa e eminentemente objectica a de Pinto
Correia. Personalidade
complexa porque se externava em todas as facetas da literatura
de acção, a zargunchadas de talento, quer através
do jornal quer do livro, na crítica escalavrante, desassombrada, de
grande surto, que não é apenas ginástica
verbal mas explanar de ideias denunciadoras de uma inteligência
forte, arqui-vulgar, esteada em
uma cultura maciça; na doutrina política que reclama linguagem
sacudida, exagitada e clara [...]. Personalidade
objectiva porque os problemas de que o
escritor se abeirava eram tratados sem atmosfera contemplativa,
de frente, à queima roupa como o cabouqueiro que de picareta alçada
investe contra rocha.
Em
qualquer dos aspectos focados, Pinto Correia
atinge os cimos do engenho que, enobrecendo o homem o distingue do
homem" .
Na
sua sessão do dia 25 de Junho de 1952, a Câmara Municipal de Câmara
de Lobos, sob proposta do seu presidente, Dr. Vasco Reis Gonçalves,
delibera homenagear a memória do Capitão Armando Pinto Correia,
dando o seu nome ao arruamento até então conhecido por "Caminho
da Azinhaga", e que ligava a casa que o viu nascer, na
quinta de santo António, à Igreja do Estreito.
Ao
acto, realizado no dia 28 de Novembro do mesmo ano compareceram as
autoridades superiores do Distrito e outras entidades oficiais, bem
como antigos companheiros de armas, amigos políticos e pessoais e
admiradores. Na altura, o Dr. Horácio Bento de Gouveia tecendo várias
considerações sobre a evolução literária de Armando Pinto
Correia apontaria três fases: "a
primeira caracteriza o escritor
do ponto de vista descrito, a visão do mundo e das coisas em superfície e refere-se aos artigos por ele publicados
no Diário de Notícias por volta de 1920; entra
seguidamente na segunda fase, a do panfletário e polemista, no
campo literário e político, para, dentro em pouco, se desfraldar,
na terceira fase como escritor de fôlego com o livro Gentio de
Timor" .
Discursou
também o Major Carlos Silva, seu amigo e companheiro de liceu e de
armas, referindo que "Armando
Pinto Correia, em toda a
parte por onde andou, trabalhou, sofreu, revelou-se sempre o ser
superior que realmente era [...]. Timor,
Angola e Moçambique presenciaram, praticada
por ele uma acção em tudo digna de Portugal. Em toda a parte por
onde passou, deixou um coro de
admiradores. Escritor de grande estilo, polígrafo brilhante,
na polémica temeroso, na crítica literária observador
agudo e juiz honesto e consciencioso,
perdeu-se com a sua intempestiva desaparição um precioso nome para
a nossa história literária" .
No dia 13 de Novembro de 2009,
por ocasião do lançamento da 2ª edição do livro "Gentio de Timor",
efectuado no Centro Cívico do Estreito de Câmara de Lobos, D. Ximenes
Belo, bispo de Emérito de Dili, viria a
focar a
actividade e a saudade deixada pelo Capitão Armando Pinto Correia, a
quando da sua passagem por Timor.
[18]
Capitão
Armando Pinto Correia, Eco
do Funchal, Funchal, 31 de Janeiro de 1934.
[19]
GOMES,
Alberto Figueira, Armando Pinto Correia. Diário de Notícias, Funchal, 23 de Janeiro
de 1971.
[21]
GOMES,
Alberto Figueira, Armando Pinto Correia. Diário de Notícias, Funchal, 23 de Janeiro
de 1971.
[23]
GENNEP,
Arnold Van, Gentio de Timor, Mercure de France. 916, 15 de Agosto de 1936. Armando
Pinto Correia na opinião do cientista Arnold Van Gennel,
Diário de Notícias, Funchal, 10 de Agosto de 1967.
[25]
SANTOS,
Jaime Vieira. Timor de Lés a Lés. Diário da Madeira, Funchal, 24 de Dezembro de
1944.
[26]
GOUVEIA.
Horácio Bento. Um grande prosador madeirense - Armando
Pinto Correia. Diário de Notícias, Funchal, n. 21420, ano
69.
[27]
Homenagem
à
memória do Capitão
Armando Pinto Correia. Diário de Notícias, Funchal. 29 de
Novembro de 1952.
[28]
Homenagem
à
memória do Capitão
Armando Pinto Correia. Diário de Notícias, Funchal. 29 de
Novembro de 1952.
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