CÂMARA DE LOBOS - DICIONÁRIO COROGRÁFICO

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Dr. Januário Figueira da Silva

Busto do Dr. Januário F. Silva

 

 

FIGUEIRA DA SILVA, Dr. Januário

 

O Dr. Januário Figueira da Silva nasceu na freguesia do Campanário no dia 19 de Setembro de 1854, tendo falecido no dia 14 de Janeiro de 1924. Era filho de Francisco Figueira da Silva e de Domingas Augusta Figueira.

Teve pelo menos uma filha:

1. Francisca Eugénia Figueira da Silva [Dâmaso] que casou na freguesia de São Pedro, em 1908 com José Artur Dâmaso e faleceu no Funchal a 22 de Junho de 1927, com descendência (Diário da Madeira, 23 de Junho de 1927).

Após ter frequentado o Liceu do Funchal, matriculou-se na Universidade de Montpellier, a cujas aulas assistiu durante  três anos, mudando-se depois para a Universidade de Paris onde, em Agosto de 1879, [O Direito, 30 de Agosto de 1879] obteve o grau de doutor [1].

Após a formatura, regressou à Madeira, fixando residência, no Campanário, onde os seus serviços eram muito procurados pelas populações de várias localidades, pese o facto da imprensa anunciar para breve a sua fixação no Funchal [O Direito, 24 de Março de 1880]. Segundo a imprensa teria decidido estabelecer consultório em Janeiro de 1881, numa sua casa situada no Funchal, na rua dos Ferreiros, 175, onde antes havia residido o Dr. João Augusto Teixeira [O Direito, 17 de Novembro de 1880], o que vem a a acontecer só em Novembro de 1881 [O Direito, 23 de Novembro de 1881] [O Direito, 3 de Dezembro de 1881]. Contudo a sua permanência no Funchal terá sido relativamente curta uma vez que, em finais de 1883 [2],  fixa residência na freguesia de Câmara de Lobos, [3].

Em volta dele formou a malquerença, nos primeiros anos de clínica lendas absurdas [...]. Inventaram-se histórias ridículas, e até, a formatura se lhe negava, porque, teimoso e orgulhoso, não quis, ao vir de França, repetir exames nem exibir a carta, só porque lho exigiam .

Este homem, dum fundo de alma admirável e puro, modesto, vivendo vida quase de asceta, comendo uma só vez por dia, não bebendo senão água e chá [...], calçando botas de camponês, foi  um perfeito santo laico, apagando de todo o brilho das suas acções para que pudessem passar ignoradas. Dizendo-se pouco amigo dos homens, passou a vida inteira a servi-los.

Rico, distribuía com a maior discrição a sua caridade ao pobre, a quem dava, assistência, remédios, dinheiro e alimentos e parecendo irreligioso, era das almas mais piedosas  [4].

 

Dr. Figueira  um mito

A sua fama como médico espalhou-se por toda a Madeira e os padecentes acotovelavam-se diante do seu consultório, enchendo recantos e corredores. Muitos tinham de ficar para o dia seguinte, para poderem ser atendidos. [...] Quando o doente era pobre era atendido gratuitamente e gratuitamente lhe eram fornecidos os remédios, mas tinha de seguir estritamente as suas indicações. Quem tinha a sorte de obter do farmacêutico do Dr. Figueira a tradução de uma das suas receitas, conservava-a como um talismã. De facto, obteve assinaláveis triunfos na cura dos seus doentes. Quando outros médicos não davam mais esperanças, havia o recurso ao Dr. Figueira que, em grande número de casos restituía a saúde aos que já se encontravam  incuráveis. As suas excentricidades também eram famosas e parecia dotado de poder hipnótico para conhecer os doentes que acatavam integralmente as suas prescrições.

No aspecto religioso, era um séptico, duvidada da divindade de Jesus, mas na sexta-feira Santa fazia jejum absoluto em memória da paixão de Cristo.

Não ia à Igreja ao Domingo, porque dizia ele, os fieis se distraiam vendo o Dr. Figueira na Missa. No entanto, disse um dia que daria tudo o que tinha para conquistar a Fé que havia perdido [5].

 

Um espírito inconformado

Segundo o Dr. António Vitorino de Castro Jorge, o Dr. Januário Figueira da Silva era possuidor duma memória notável, recitava versículos completos da Bíblia e o seu desejo de conhecer a verdade sobre o fim do homem, levava-o a interromper a consulta quando no consultório entrava algum sacerdote, com quem passava o resto do dia e grande parte da noite em conversa, para cultura do espírito, e ao mesmo tempo para esclarecimento de dúvidas de parte a parte. Quando isto sucedia e quando os doentes eram muitos, o que era frequente, permitia que dormissem em sua casa, e muitas vezes dava-lhes uma refeição pois de toda a ilha acorriam a Câmara de Lobos doentes para consultá-lo.

Tinha a sua maneira de receitar e se, por exemplo queria dar um remédio durante sete dias, mandava o doente dividi-lo em sete partes e tomar uma parte em cada dia, mas dividindo essa parte por tantas partes durante o dia. Muitas vezes o remédio começava a ser tomado à meia noite, afim de dar dias certos, o que criava no povo um pouco de superstição, dando muito bons resultados em neuróticos, pois para eles havia algo de feitiçaria na pessoa do Dr. Figueira.

 

Uma vida de sacerdócio

Não o fazia com o fim de explorar o doente, mas sim com a finalidade de o curar mais depressa, pois assim tinha o medicamento a actuar sempre com uma concentração igual no organismo. Porém, o doente com toda esta preocupação de tomar o remédio a horas certas e em quantidades iguais convencia-se que estava ali naquela garrafa a sua salvação, a sua cura, o que já representava alguma coisa para a sua saúde.

Nunca explorou os seus doentes, nunca teve como finalidade fazer fortuna da sua profissão, dando a muitos doentes o remédio e o seu trabalho, não cobrando um centavo de honorários ou do medicamento. Era um verdadeiro sacerdócio a sua vida, vivendo para os doentes [6].

 

 

Uma personalidade complexa

Para Domingos Reis Costa, num artigo que escreveu no Diário de Notícias, falar do Dr. Figueira era evocar um dos homens de personalidade mais vincada, de mais profundo relevo que viviam, na altura, na terra portuguesa, e por certo a mais forte que respirava o ar da Madeira. Para os superficiais, ele era um original enquanto que para os que sabiam vê-lo, ele era um coração e um carácter que se moldavam por si mesmos, que talharam o seu próprio recorte na vida, sem pedirem modelos a ninguém, como uma grande árvore solitária da planície ou um rochedo no meio do mar, que gravam no ar a sua forma viva, sem semelhança com outras arvores ou outras penedias. Ainda segundo Domingos Costa, o Dr. Figueira ignorava a mentira profissional, como de resto ignorava toda a mentira. Nessa ordem de ideias, ao doente dava a esperança, a sugestão, o conforto, o sorriso, aspectos que na doença eram meia saúde, mas nunca dava a mentira. Se a verdade era cruel preferia calá-la a mentir [7].

 

Admirado por ricos e por pobres

No dia 19 de Setembro de 1922, por ocasião do seu 68º aniversário, o Dr. Figueira é alvo de uma homenagem prestada por um grupo de individualidades que, segundo, o jornalista do Diário de Notícias que cobriu tal acontecimento, englobava desde as almas mais janotas que visitavam o Golden Gate, as almas simples que de política só sabiam que morreu a vaca, até ao regedor. Efectivamente a comitiva que neste dia lhe entrou, pelo consultório dentro, logo após a saída de um doente com cara de renascido, era constituída por padres,  cónegos, um médico, advogados, professores dos liceus, funcionários, industriais, comerciantes, etc. Eram os portadores do coração humilde e agradecido dos campos, os interpretes da hesitante voz amiga dos vilões que tanto devem ao seu doutor e o bendizem às orações, os portadores como de uma eucaristia espiritual, das obscuras e esparsas almas rurais, vagas alheias às coisas da inteligência que só em lusco-fusco entre vêem, mas lúcidas e limpas, como águas puras de rocha, para as coisas da bondade  [8].

 

O mistério da sua morte

A sua morte ocorre no dia 14 de Janeiro de 1924, envolvida num clima de mistério e a que não faltou a suspeita de homicídio, por envenenamento, e em que foram condenados como seus autores, a sua filha Francisca Figueira Dâmaso e o seu genro José Artur Dâmaso, mas que anos mais tarde viriam a ser ilibados de tal suposto crime [9]. A este propósito convirá recordar que o Dr. Figueira tinha alguns inimigos sendo mesmo vítima de calúnias e inveja, que no entanto não o incomodavam, pois eram uma minoria, perante os milhares de pessoas que o conheciam e o procuravam, o que, de resto, demonstrava a verdade do velho ditado de que só teria inimigos quem tinha valor [10]. De acordo com confidências partilhadas com o Cónego Dr. Manuel Gomes Jardim, que com ele, tinha laços de particular amizade, o Dr. Figueira foi, por várias vezes, alvo de tentativas de assassínio [11]. Talvez tenham sido estes antecedentes que levaram ao surgimento da ideia de homicídio como causa da sua morte.

 

A erecção de um monumento

Logo após a sua morte constituiu-se uma comissão com a finalidade de mandar erigir um monumento em sua honra. Para o efeito, o escultor Francisco Franco acompanhado de três dos membros desta comissão, o Dr. Domingos Reis Costa, o Cónego Francisco Venceslau Mendes e o padre Eduardo Pereira, deslocar-se-iam no dia 16 de Janeiro àquela que tinha sido a residência do Dr. Januário Figueira, onde lhe faria uma máscara para depois esculpir o seu busto em bronze [12]. Na altura, ao que se supõe, o preço ajustado para o busto e projecto do respectivo pedestal orçaria em 1.500$00 [13].

 

As dificuldades encontradas

Contudo, apesar de cedo se terem feito esforços com vista à angariação das verbas necessárias para a edificação do monumento, como atesta um leilão de um seu retrato a crayon em Julho de 1924, da autoria de Armanda de Sousa, uma professora oficial que o conheceu de perto [14],  terão surgido algumas dificuldades. Em 1934 a angariação de meios financeiros destinados à aquisição do busto ainda não estava completa [15],[16] e, como consequência, esta homenagem continuaria adiada.

 

A Câmara adquire o busto

Com o objectivo de saldar a dívida de gratidão para com o Dr. Januário Figueira da Silva, na sua sessão de 25 de Abril de 1956, por proposta do então presidente Dr. Vasco dos Reis Gonçalves, a Câmara Municipal de Câmara de Lobos delibera mandar erigir no largo 28 de Maio, na altura com obras de embelezamento em curso, um monumento ao Dr. Januário Figueira da Silva.

No texto desta proposta salientava-se o facto do Dr. Januário Figueira da Silva sempre ter exercido neste concelho a sua actividade de médico, operando curas maravilhosas, com uma dedicação profissional que o imponha à consideração geral, pois que de toda a ilha afluíam doentes ao seu consultório, sendo de destacar a generosidade com que atendia os menos protegidos da sorte, aos quais além de não cobrar honorários, ainda fornecia medicamentos e até dinheiro.

A anteceder esta proposta, o Dr. Vasco dos Reis Gonçalves havia iniciado contactos, através do Dr. Cabral do Nascimento, com os herdeiros do Dr. Francisco Franco, na posse de quem o busto  se encontrava, no sentido da sua aquisição. Inicialmente fixado em 23 mil escudos, o busto acabaria por ser adquirido, por 20 mil escudos, por deliberação camarária de  13 de Junho de 1956, importância que teria ficado muito aquém do seu valor real, estimado na altura como rondando os cinquenta a sessenta mil escudos [17].

 

O difícil parto do monumento

Apesar de nesta mesma ocasião a Câmara ter deliberado encarregar um técnico de elaborar o projecto para o pedestal e chegasse a obra a constar do plano de actividades para 1958 [18] e para 1959 [19], o busto acabaria por ficar armazenado nas arrecadações camarárias. Em 14 de Outubro de 1964, a Câmara Municipal atendendo ao facto da edificação do monumento ao Dr. Figueira da Silva constituir uma antiga aspiração dos camaralobenses, volta a deliberar mandar erigir o busto no jardim do Largo 28 de Maio,  fazendo incluir a verba necessária no seu próximo orçamento suplementar [20].

No sentido de dar corpo a esta deliberação, em Janeiro de 1965 a Câmara envia um ofício ao Dr. Cabral do Nascimento, que havia sido, em 1956, o intermediário com os herdeiros de Francisco Franco, proprietários do busto, tentando reinvindicar junto deles, o projecto do pedestal que, de acordo com a encomenda feita ao escultor Francisco Franco, deveria ser idealizado por ele e não tinha acompanhado o busto. De acordo com o teor do oficio esta reivindicação tinha por fim manter a harmonia escultórica do conjunto, ainda que, subjacente não seja de excluir que estivessem em causa, os custos adicionais que, um novo projecto traria para o erário camarário.

Como seria de esperar, uma vez que, por um lado, muitos anos haviam já decorrido desde que o busto fora feito e, por outro, Francisco Franco, já não pertencia ao mundo dos vivos, o projecto do pedestal se havia sido feito, não foi encontrado. Por deliberação de 10 de Março de 1965, o então presidente da Câmara é incumbido de escolher o autor do projecto para o pedestal, tendo a escolha recaído sobre o escultor Tomás Figueira da Silva, que na sua sessão de 9 de Junho de 1965 é encarregue de o elaborar [21].

A 13 de Outubro de 1965, o projecto estava concluído e na sequência da sua memória descritiva indicando que tanto o pedestal como a sua base deveriam ser em cantaria de basalto das pedreiras de Câmara de Lobos, na sua sessão de 9 de Março de 1966, a Câmara Municipal de Câmara de Lobos adjudicaria o fornecimento da cantaria necessária, a João Figueira da Silva & Irmão Lda. pelo valor de 3.300$00.

Contudo, em vez do Largo 28 de Maio, é escolhido, para implantar o busto do Dr. Januário Figueira da Silva, o jardim mandado construir por deliberação camarária de 16 de Maio de 1951, junto à concordância da rua Dr. João Abel de Freitas com a estrada nacional 101, hoje denominada, no seu trajecto pelo interior do concelho de Câmara de Lobos, de estrada de João Gonçalves Zarco.

 

A inauguração do monumento

Em 26 de Agosto de 1966, é finalmente inaugurado o busto em memória do Dr. Januário Figueira da Silva, dando-se desta forma por concluída uma pretensão que se arrastava há cerca de 40 anos [22



[1]     O Direito, 24 de Março de 1888.

[2]     O Direito, 21 de Novembro de 1883

[3]     O Direito, 24 de Março de 1888.

[4]     Diário de Notícias, 15 de Janeiro de 1924.

[5]     Jornal da Madeira, 27 de Agosto de 1966.

[6]     Diário da Madeira, 1 de Outubro de 1966.

[7]     Diário de Notícias, 19 de Setembro de 1922.

[8]     Diário de Notícias, 21 de Setembro de 1922

[9]     Jornal da Madeira, 15 de Janeiro de 1924.

[10]    Jornal da Madeira, 27 de Agosto de 1966.

[11]    Jornal da Madeira, 27 de Agosto de 1966.

[12]    Jornal da Madeira,17 de Janeiro de 1924

[13]    Processo da construção de um monumento ao Dr. Januário Figueira da Silva. CMCL

[14]    Jornal da Madeira, 6 de Julho de 1924

[15]    Jornal da Madeira, 2 de Junho de 1934

[16]    No texto da deliberação de 14 de Outubro de 1964 da CMCL em que a Câmara Municipal de Câmara de Lobos manda erigir o busto ao Dr. Januário Figueira da Silva, aponta-se uma verba de 220$00, como resultado da subscrição pública levada no ano da sua morte, o que naturalmente ficaria muito aquém do quantitativo necessário.

[17]    Livro das Vereações da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, acta de 13 de Junho de 1956.

[18]    Livro de Vereações da CMCL, acta de 28 de Agosto de 1957.

[19]    Livro de Vereações da CMCL, acta de 10 de Setembro de 1958.

[20]    Livro de Vereações da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, acta  de 14 de Outubro de 1964.

[21]    Livro de Vereações da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, acta de 9 de Junho de 1965.

[22] Jornal da Madeira, 27 de Agosto de 1966.

 

Câmara de Lobos

Dicionário Corográfico
Edição electrónica

Manuel Pedro Freitas

Câmara de Lobos, sua gente, história e cultura