Pestana,
Joaquim
Joaquim Pestana
era natural da freguesia de Câmara de Lobos, onde nasceu no dia 24
de Dezembro de 1840, tendo falecido no Funchal, a 6 de Fevereiro de
1909.
"A
casa do poeta Joaquim Pestana tinha um miradouro que se debruçava
sobre a baía de Câmara de Lobos. Raro terá sido o dia da sua vida
em que não contemplou, desse local, olhando a Oeste, o majestático
Cabo Girão - visão imponente, avassaladora, pujante, que acabará
por marcar o seu recolhimento quotidiano e inspirar a sua produção
literária.
Era
a sua moradia contígua ao adro da histórica capela do Espírito
Santo. Nela alimentou o sonho da poesia envolto nos mantos da solidão,
alma frágil e atormentada, indefesa perante o mundo e a voracidade
das musas, tornando-o, porém, num dos mais interessantes,
cativantes mesmo, poetas madeirenses do século XIX e primórdios do
século XX. Prisioneiro enclausurado dos seus medos e da doença,
ganhou o respeito e a admiração de quantos o leram, libertando-se
desse cárcere para se entregar ao universo vasto e absorvente da Língua
Portuguesa.
Em
1901, Joaquim Pestana vendeu esta sua residência e veio morar para
o Funchal, numa habitação situada em S. Martinho, na Casa Branca,
onde acaba por falecer. O Cabo Girão deixou de ser a sua paisagem
matinal, o despertar dum novo dia. Mas no âmbito sensitivo, ele
esteve sempre presente, como se no ocaso do seu tempo físico, ali
aparecesse, em crescendo, a penedia abraçada por um mar azul a
dar-lhe conforto".
"[...]Joaquim
Pestana é descrito como um tímido, de voz doce e melíflua, faces
chupadas, andar vacilante e pausado, trajos negros e um inseparável
guarda-chuva. Conta o Pe. Eduardo Pereira ainda que a sua fala saía-lhe
aveludada e em surdina, entrecortadas as frases de pausas e reticências.
Apesar do seu introvertimento, não deixava de cavaquear com os seus
patrícios. Davam-no como cristão, amante da leitura bíblica. Em
carta dirigida a um seu amigo, declarou ser
a Bíblia um livro
admirável, sublime e divino. É nele que, muitas vezes, vou
alentar-me nas dores da vida [...]. Onde encontro outro livro que
nos sirva de consolação às lágrimas e amarguras deste mundo? Em
nenhum outro. Esta vivência religiosa está explicita e clara
em toda a sua lavra poética.
Filiou-se Joaquim
Pestana, corno o comprovam os testemunhos de seus contemporâneos,
na corrente literária proclamada como Novo
Trovador, seguindo a escola de A.A. Soares de Passos, fundador
em Portugal do ultra-romantismo, Caracterizavam-na uma preocupação
criativa em que abundavam exaltações à mãe natureza e apelos ao
sentimento, com largas emanações palidamente lírico-melancólicas.
Parece
ser indiscutível a sua fama de poeta, disputado por publicações
nacionais e estrangeiras, com realce para as brasileiras,
colocando-o num patamar de glória até hoje sem seguidor nas letras
madeirenses, salvo, possivelmente, o caso de Herberto Helder, também
ele um apaixonado pela Bíblia (especialmente pelos Salmos de David).
Aliás, a sua correspondência com figuras de primeiro plano das
letras do País-irmão comprovam esse prestigio até à saciedade.
Destituído
de qualquer formação académica, pelo menos ao nível médio,
autodidacta assumido, resistente às influências externas,
ensimesmado com o seu ego, afirmava-se pela recusa a panegíricos e
bajulamentos, sobraçando uma persistência de querer idealístico.
Seria, hoje, um sonhador, um inadaptado defensor de causas perdidas,
um ente interiorizado por sensações absurdas, ferido de nostalgias
e de raivas surdas, agravadas ainda pelo sofrimento das suas penas físicas.
E o notável é que essas vivências tomavam corpo na textura da sua
criação literária.
Era,
pois, Joaquim Pestana, o protótipo do ultra-romântico, na vida e
na página escrita dos seus encantamentos versejadores. Sem meios
financeiros, modesto, humilde, era também um modelo de educação,
dedicando-se inteiramente à família. Apontam-no ainda como
personalidade austera e impoluta. Solteiro - costumava desabafar que
quem casa não pensa e quem
pensa não casa - chegou a soçobrar de amores por uma Natércia,
a qual não lhe retribuiu os afectos nem se deslumbrou pelos poemas
ardorosos que lhe fez chegar às mãos. Rodeado de uma biblioteca
com cerca de meio milhar de livros, obcecado pela sua produção
literária, desvaneceu-se no cuidar de sua mãe e de sua irmã, mais
tarde de uma sobrinha, pessoas a quem primeiramente estreava, em
leitura sentida, todas as suas peças poéticas, só as tornando públicas
depois de analisar o efeito que causava no íntimo-racional desses
seus familiares, tal qual como fizera antes Moliére.
Pela sua própria
revelação, pode inferir-se que se Joaquim Pestana era tomado por
uma abissal timidez, pelo menos não se conformava com a sua
involuntária solidão. tímido sim, por sina, mas solitário por
desventura, parece ter sido um amante incompreendido, um fervoroso
adepto da paixão silenciada, não esgrimindo até à exaustação
em defesa dos seus amores, conformando-se com o seu destino. Quase
sempre doente, mal escrevia aos seus confrades. Porém, confidenciou
a um deles: Quem vive isolado
no mundo, sem um afecto, doente, que pode esperar de ventura e
felicidade? Olhe: a verdadeira felicidade, aquela que eu sempre
ambicionei, não foi a ambição das riquezas, mas sim um lar
tranquilo e sossegado onde pudesse rever-me na imagem que me
entendesse, e que no último sono me cerrasse os olhos com um belo
de amor e de saudade. A sorte, todavia, assim não lhe fez a
dita. O Pe. Eduardo Pereira assistiu ao seu falecimento, minado
pela tuberculose, no meio duma resignação quasi inconcebível,
cheio duma profunda fé religiosa e confortado com os Sacramentos da
Igreja. Dessa edificante confissão de fé fui testemunha ocular.
Se
nas suas deambulações de coração Joaquim Pestana não conseguiu
sair do labirinto, mantendo-se celibatário até ao fim dos seus
dias, já na política não se deixou vencer pelo conformismo. Não
era aquilo que hodiernamente se pode adjectivar de um conservador.
Antes pelo contrario. Foi militante progressista, defensor das
ideias republicanas. Em 15 de Março de 1886 - dezasseis anos depois
de se ter alicerçado como poeta de mérito no seio de uma sociedade
desdenhosa dos seus valores - a propósito dos políticos da época
comentava: De política... é
a mesma gente com diferença de nome. E rematava: É
pena que, um dia, a Madeira não possa levar ao parlamento três
nomes distintos, como: Arriaga, Latino e Teófilo Braga.
Um
episódio praticamente ignorado pelo grande público é o que
regista a passagem de Joaquim Pestana pela política activa. Na
verdade, foi vereador da Câmara Municipal de Câmara de Lobos e,
segundo o Pe. Eduardo Pereira, ajudou a dotar
o concelho de alguns melhoramentos importantes» servindo nessa
qualidade com
sinceridade e fé patriótica a Nação.
Porém,
em 1901, já segredava a um amigo do Rio de Janeiro, como definhado
pelo desalento e pelas necessidades económicas, vendo-se obrigado a
desfazer-se do seu prédio do Espírito Santo, que vendeu a António
Pestana: ...estou desanimado,
creia, desta vida de tormentos.... E de tormentos subsistiu até
ao fim da década, quando cerrou os olhos sem a ajuda de um beijo de
amor e saudade, proveniente dos lábios da imagem amada e entendida.
Ninguém mais o viu à porta meio-aberta do seu «Botequim»,
cofiando o seu bigode camiliano. O poeta acabara de entrar no átrio
da imortalidade. Se alguém tivesse olhado para o céu, nesse 6 de
Fevereiro de 1909, talvez vislumbrasse um corpo santo, esquálido e
iluminado, a ser levado em hinos de glória por uma horda de anjos
brilhantes, liderada por uma Natércia, até ao portão celestial. E
se conviermos que Deus existe, porque n’Ele Joaquim Pestana
acreditava, então Deus desimpediu-lhe a passagem, disse-lhe entra,
Poeta» e sorriu-lhe, ao constatar a sua atrapalhação e comesura.
"[...]A
sina de Joaquim Pestana, no desenrolar dos tempos, assumiu contornos
verdadeiramente peculiares. É curioso notar que de década para década,
diferentes escritores madeirenses eram unânimes em classificá-lo
elogiosamente, mas em nada se alterava a obscurantista situação a
que fora remetido pela mesquinha e malquerente capelinha intelectual
da nossa terra que nada fez para o trazer a terreiro, projectando-o
a iluminação dos holofotes da memória contemporânea.
Repare-se
que em 1951, no II volume (2º Período 1820-1910), das “Notas
& Comentários para a História Literária da Madeira”, outro
cultor das terras madeirenses, o Visconde do Porto da Cruz
sublinhava que Joaquim Pestana era outro Poeta de valor mas que,
embora tivesse morrido, há relativamente poucos anos, já anda
esquecido e adiantava acerca «deste homem», que ele «bem merecia
que os vindoiros o lembrassem porque o seu talento, o seu amor à
literatura e quanto produziu, a isso lhe dão direito».
Depois
de vincar que era de justiça reunir as suas composições literárias
num volume e editá-lo a expensas das Comissões Administrativas ou
pelo Município de Câmara de Lobos», regista o seu passament0 em
tom desalentado e crítico: «Finou-se com o seu genial talento,
modesto, como viveu, e a sua lembrança morrerá pela ingratidão
dos seus conterrâneos...»
Esta
nota amarga do Visconde do Porto da Cruz era sentida, autêntica,
fruto da admiração que nutria por Joaquim Pestana. A fonte
utilizada era ainda a do Pe. Pereira, mas adiantava outras asserções
da sua responsabilidade. Afirma, por exemplo, que «os maiores
valores literários da sua época» em correspondência dirigida ao
poeta «festejavam as suas produções líricas». E sublinha: «Cria
fama de bom poeta como nunca a teve nenhum outro madeirense,
baseando-se essa fama, com justiça, no seu talento, no seu esforço
próprio. Em todas as suas produções perpassa um sopro de Fé
arreigada de sentimentalismo profundo, de amor da Família,
paralelamente com um imenso desalento da vida! Não possuía
qualquer curso literário. Foi grande amoroso, como João de Deus
espontâneo e simples no sentir e no versejar,.
O
Visconde do Porto da Cruz não hesita em apontá-lo como «ultra-romântico
e um dos maiores líricos da Madeira, seguindo a Escola de Soares de
Passos,,, imprimindo-lhe dois poemas: um excerto de «Na Lira»
(inspirado numa quadra de Mário de Azevedo) e «Deus!», dedicado
ao Dr. António Xavier Cordeiro, originalmente conhecido no
Almanaque de Lembranças (1890)e recentemente reproduzido na
antologia «O Natal na Voz dos Poetas Madeirenses» (1989),
acompanhado de uma nota biobibliográfica.
Infelizmente
em nenhum dos volumes da «MADEIRA Investigação Bibliográfica»,
editados pela DRAC - Direcção Regional dos Assuntos Culturais e
destinados ao Centro de Apoio de Ciências Históricas, se aponta
qualquer documento ou publicação onde se possa encontrar elementos
acerca de Joaquim Pestana, (mas sabemos - pelo menos - que o
Visconde do Porto da Cruz publicou um extenso artigo sobre o Poeta
no nº 54 da Revista Portuguesa, relativo o Dezembro de 1947), para
além da referência a um texto inserto no nº 29 de Das Artes e da
História da Madeira,, uma vez mais da autoria do Pe. Eduardo
Pereira.
Mas
o que fez Joaquim Pestana alcançar esta cortina de nevoeiro em
redor do seu nome e da sua Obra? Cremos que, antes de mais, a
circunstância desafortunada de nunca ter saído a lume, em brochura
e lombada, em papel impresso, com grossura e aspecto de livro. Era o
Dr. Horácio Bento de Gouveia de opinião que os jornais são bons
para se escrever e embrulhar mercearias e que os livros eram para se
guardar, até a eternidade. Esta imperceptibilidade da obra literária
em volume, comparativamente com a perecibilidade do texto de
almanaque ou de folha de imprensa, é o que distinguirá o escritor
do colaborador de jornais? Pelos vistos, parece que sim, mas nunca
é tarde para alterar essa disforme conjuntura de adjectivação
cultural".
[Texto
de José António Gonçalves.
In
Girão Revista de Temas Culturais do Concelho de Câmara de Lobos,
Nº 4, 1990]
No dia 3 de
Maio de 2010 foi apresentado, numa edição da Câmara Municipal de
Câmara de Lobos, o livro “Poesias de Joaquim Pestana”,
uma compilação dos seus
poemas feita pelo historiador Nelson Veríssimo
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