Quinta do Jardim
da Serra

Quinta existente no
Jardim da Serra, freguesia do Jardim da Serra, no concelho de Câmara
de Lobos. A sua história encontra-se ligada a
Henry Veitch, um súbdito
inglês chegado à Madeira em 1809, investido das funções de cônsul e
que aqui haveria de se fixar durante vários anos..
Pouco
tempo depois da sua chegada à Madeira terá adquirido uma extensa
propriedade no sítio da Serra, freguesia do Estreito de Câmara de
Lobos, onde terá construído uma quinta, que inicialmente viria a ser
conhecida por Jardim
[1],
tal era a riqueza e beleza do seu jardim, mas a que rapidamente se
associou a palavra Serra, ou seja a denominação do local onde
se encontrava implantada,
resultando
daí o epíteto de quinta do Jardim da Serra.
Ainda que
não se saiba ao certo
a data da construção da casa nela existente, julga-se que ela possa
ter acontecido antes de 1820. Com efeito, em 1823 ela já existia uma
vez que T. E. Bowdich, naturalista inglês que visitou a Madeira no 1º
quartel do século XIX, autor de Excursion in Madeira and Porto
Santo during the Autumm of 1823, pernoitou nela e ficou
maravilhado com o seu jardim, tendo até estudado algumas espécies de
plantas nele plantadas.
A forma como T. B.
Bowdich descreve a Quinta, nomeadamente o facto de ter estudado
algumas plantas, leva-nos a concluir que a quinta tenha sido
construída em data bastante anterior a 1823. Se assim não tivesse
sido, não teria havido tempo para que as plantas fossem plantadas e
crescessem. Por ouro lado, para adquirir a fama que tinha em 1823, é
natural que a Quinta, nesta altura, já tivesse alguns anos de
existência.
Desde o início,
esta quinta viria a seduzir, tal como aconteceu com
T. B. Bowdich,
todos quantos tinham oportunidade de passar junto ou de a visitar.
Em 1852 e 1856,
Maximiliano, filho segundo do arquiduque da Áustria, Francisco Carlos
e irmão do imperador da Áustria, Francisco José I, visitou a Madeira.
Eberhard Axel Wilhelm, na revista Girão ao se referir à sua passagem
pela Madeira e nomeadamente pela quinta do Jardim da Serra diz:
Em 5 de Julho de 1852, Maximiliano e os seus acompanhantes passaram
pela quinta isolada dum artigo cônsul inglês, não referindo, no
entanto, o seu nome. Foi certamente a de Henry Veitch
[…].
O
austríaco confessou que gostaria imerso de possuir uma quinta como
essa, afastada do mundo. Um dos seus sonhos era ficar mais tempo na
Madeira e nesse caso escolheria essa casa, cantando ali as suas
canções e soltando gritos de júbilo na floresta verde. Lamentou não
ter podido entrar na quinta, cujo portão não estava aberto a
estranhos.
Por
ocasião da segunda viagem à Madeira, Maximiliano e os seus
acompanhantes, em 7 de Dezembro de 1859, deram outro passeio a cavalo
à misteriosa quinta do cônsul que entretanto falecera. O seu nome era
«Jardim da serra», notou o nobre. Dessa vez, pelo menos, conseguiram
entrar na quinta mas a vivenda, no parecer do austríaco construída
num estilo italiano bizarro, situada à beira dum riacho de água a
fresca e à sombra de várias espécies de árvores sempre verdes,
encontrava-se sempre fechada.
A casa
começava a decair, as paredes estavam deterioradas e tudo permanecia
calmo e sério. Apenas um velho pavão, o último sinal vivo dum antigo
esplendor, estava sentado no telhado coberto de musgo, sem se mexer.
Erva daninha estava a crescer fortemente entre as plantas mais raras.
[…] Os
seus [de Henry Veitch]
restos mortais estavam entretanto a apodrecer debaixo dum obelisco de
mármore, cercado por ciprestes, no parque plantado pelo cônsul,
esclareceu MaximiIano
[2].
Perto do
túmulo, o habsburgo viu a plantação de chá de Veitch, entretanto
igualmente abandonada. Para a produção do seu próprio chá, o (ex-)
cônsul tinha chapas de cobre e um aparelho, a fim de secar as folhas
Em 13 de
Outubro de 1903, o Diário de Noticias publica um artigo enaltecendo o
Jardim da Serra e onde se afirma que o Jardim da Serra é um vale
das montanhas do interior que mereceu este nome pela força da
vegetação que o reveste.
O
espectador descobre, ali não só o anfiteatro como também um quase
completo circulo de montes, tão-somente interrompido por uma aberta
para o mar, limitada, mas formosa, onde está fundada em assento
eminente em meio do vale a linda casa que era do falecido cônsul Veith,
com um ribeiro por cada lado, formando-se adiante uma linda queda de
água precipitada num barranco donde unidos os dois ribeiros partem com
engraçado curso para o mar.
Da casa,
a melhor do monte dos Prazeres, nos limites da extensa quinta,
desfruta-se uma vista variada, majestosa e encantadora, ora levantando
os olhos para as serras cobertas de arvoredos, ora volvendo-os fora
ela se faz caminho por entre terrenos cultivados de vinhas que
produzem o melhor vinho da ilha.
Próximo
do Jardim, talvez a uma hora de caminho o viajante curioso pode
contemplar uma paisagem que infunde certo terror por quanto majestoso,
mas assustados, é o aspecto do abismo conhecido pelo nome do Curral
das Freiras, crendo-se ser aberto, sem dúvida, por algum terramoto ou
por uma convulsão da natureza posterior à formação destas montanhas;
apresenta uma profundidade de 4 mil pés, conforme os pontos donde é
observado. Em tempos a propriedade do Jardim da Serra produziu muito
chá e também caneleira de Ceilão
[3].
Em
1925, o açoriano Marquez de Jácome Correia na sua obra “A Ilha da
Madeira, Impressões e Notas Archeologicas, ruraes, Artísticas e
Sociais”, descreve a Quinta do Jardim da Serra da seguinte forma:
A casaria vermelha do antigo cônsul inglês corre ao longo de um
terraço à frente de um bosquezinho, animando uma solidão que seria
grandiosa e pitoresca, banhada pelas águas da ribeira, se o nosso
espírito com o hábito adquirido não exigisse já a intervenção social
na obra decorativa da natureza da Ilha. O muro amainelado debruçado
sobre o leito das águas correntes, a grande cancela de gradeamento de
ferro que dá entrada para a propriedade
[…],
a ponte que conduz a essa cancela, de tosca madeira estafada pelo
trânsito e carcomida pelo tempo; a prolongada alameda de carvalhos
revestidos de tenros rebentos amarelados da nova folhagem da
primavera, que continua a estender a quinta pela vertente fora,
coberta recentemente por matas de eucaliptos e pinheiros: toda essa
cuidadosa vegetação e disposição do domínio nobilitado evoca-nos o
papel e a influência florestal e botânica que desempenhou o Jardim da
Serra na História da Madeira, envolvendo-o numa espécie de estância
lendária, em que o túmulo do seu
fundador,
levantado em modesto obelisco, é padrão comemorativo da sua gloriosa
fundação.
Henrique
Veitch
[…] edificou a casa e plantou
as terras juntas, de variadíssimas essências, cultivando e ensaiando
curiosidades hortícolas, e dessa iniciativa surgiu a aclimação do chá,
do café, da canela e de muitas outras espécies exóticas, que à mistura
com árvores e plantas de flores povoaram aquele sítio ermo em que a
urze, os loureiros e a uveira eram os únicos habitantes vegetais com
as ervas e os fetos.
Em 1956, Maria
de Lamas ao descrever a quinta do Jardim da Serra fá-lo da seguinte
maneira:
Muito se
tem escrito já sobre esta quinta, tão bela é e em tão deslumbrante
panorama se situa. O nome corresponde ao encanto da natureza, não
apenas em relação à quinta mas a toda aquela região, de que tomou o
nome.
Duas
vezes ali estive, em diferentes épocas, e não sei dizer se o
espectáculo das cerejeiras floridas suplanta o das mesmas árvores
cobertas de frutos, encarnados e reluzentes como rubis suspensos da
folhagem. De longe, a brancura das flores transfigura tudo e dá à
paisagem uma leveza quase material; mas naquela tarde em que eu passei
por entre milhares de cerejeiras pintalgadas de escarlate e vi
cerejas nas mãos de crianças e adultos, numa alegria de fartura, os
campos tiveram para mim uma alegria nova. Nela se integrava a vida
humana em vibração de humilde plenitude. Festa das cerejas! Dia de
colheita e de expansão. Tudo quanto pudesse haver de convencional
naquela romagem aos cerejais, em dia marcado, para criar uma tradição,
deixou de o ser. A própria natureza colaborava no folguedo do povo -
mais alacre do que ele: as cerejeiras riam; os cestos atestados de
cerejas riam; os brincos de cerejas tornavam mais claro e moço o riso
das raparigas; os raminhos de cerejas eram manchas rubras, risonhas, a
ressaltar na tela imensa e já de si maravilhosamente colorida.
Levantam-se em volta soberbas montanhas que, pelo contraste da sua
rudeza, maior realce dão à fertilidade e sedução do vale. Nas
cumieiras, para Leste, abrem-se a Boca dos Namorados e, a pouca
distância, a Boca da Corrida, donde se avista, nas profundezas de
formidável cratera, o Curral das Freiras. Mas a estrada vai-se
desenrolando na vertente de cá, em voltas e voltas, numa região das
mais mimosas da ilha - toda ela um jardim e um pomar, com a ribeira a
correr lá no fundo.
Insensivelmente, subimos, subimos, até oitocentos metros de altitude.
Então, a mancha vermelha da casa e, à frente, o seu muro com arcadas,
a limitar-lhe, a esplanada donde se vê o mar, surgem entre o arvoredo!
Apesar do percurso nos preparar para uma visão fascinante, fica-se
surpreendido. E deslumbrado também. Apetece parar e contemplar
demoradamente aquela estampa singularmente formosa, policroma, e de
tal forma enquadrada na harmonia total que dir-se-ia ser ali tão
natural como os montes e as matas que lhe servem de moldura.
A
aproximação não desencanta. Se possível, multiplica os motivos de
agrado; ruazinbas bem cuidadas, que nos levam por entre árvores
gigantescas e renques de novelos azuis, como num país de sonho. (Será
condão especial das quintas da Madeira fazerem-me sonhar perante a
realidade?) Falei nas árvores: outro encantamento para mim, nesta ilha
sortílega. Tantas, tão variadas, majestosas e acolhedoras! Gosto de me
deter junto de cada uma, tocar-lhe, pronunciar-lhe o nome e muito
tenho aprendido aqui.
As do
Jardim da Serra são espantosamente fortes, copadas e vetustas - sem
exclusão da dominadora beleza. Conheço quase todas as espécies que ali
vivem, algumas há mais dum século. Olho-as como amigas - carvalhos,
vinháticos, pau-branco, loureiro-régio… Prende-me a atenção o tronco
velhíssimo dum til, já sem copa e mesmo assim reduzido a pouco mais de
dois metros de altura. Simplesmente... No interior desse colosso
abatido vem crescendo, estuante de seiva, um novo til! Ali está outro
prodígio vegetal: o toco dum castanheiro formidável, com sete metros e
meio de perímetro na base. Quando estava em pleno vigor, alto como uma
torre, Henrique Veitch, que foi durante largos anos Cônsul de
Inglaterra na Madeira, instalou-lhe nos ramos cimeiros um catavento a
que o povo chamou “adivinha-tempo". A mais de meia altura do tronco,
onde os ramos formavam uma espécie de suporte, mandou ainda H. Veitch
instalar uma original mesa, onde ia frequentemente tomar chá... Mas a
velhice foi corroendo o gigante.
Já muito
carcomido, cheio de cavernas, um vendaval derrubou-o, numa noite
pavorosa, fazendo-o rolar para o leito da ribeira. Tudo quanto resta
dessa árvore notável é um cepo morto - em todo caso ainda fora do
comum, pelas suas dimensões.
Não se
pode ir ao Jardim da Serra sem evocar a invulgar personalidade de
Henrique Veitch, que mandou edificar a casa, na primeira metade do
século XIX. A tal ponto se enamorou da Madeira que não se limitou a
comprar e a construir aqui várias quintas e moradias, entre as quais a
quinta do Jardim da Serra, seu lugar preferido: ali quis ficar
sepultado. Lá está, num ponto onde muito gostava de passar as horas de
repouso e meditação, o singelo mausoléu mandado erigir pela sua viúva
em 1857, ano da sua morte, em satisfação do desejo que ele
insistentemente manifestou durante a vida
[…].
A
situação da casa do Jardim da Serra é privilegiada! Numa elevação,
mesmo a meio do vale, dali se descobre majestoso e variado panorama,
que se estende por entre serranias, em anfiteatro, frente ao mar
distante. De cada lado corre um ribeiro, juntando-se os dois, mais
adiante, numa queda de água de belíssimo efeito e formando depois um
só curso até à desembocadura. As suas pontes, de rústico alçado, dão à
quinta mais um encanto, e tantos ela possui! Mas Henrique Veitch não
se preocupou apenas em alindar aquele lugar fascinante, que é das mais
belas paisagens madeirenses, ora florida e risonha, ora imponente e
sempre verdejante, conforme as estações: além de plantar numerosas
árvores, ensaiou também ali diversas culturas, entre elas a do chá.
Iniciada em 1827, com dezasseis pés que conseguiu mandar vir da China,
tinha, em 1841, cerca de quinhentos. Poderá parecer pouco, se não se
souber que o terreno onde eles se desenvolveram fica a cerca de
novecentos metros acima do nível do mar, num sítio onde, no rigor do
Inverno, chega a cair neve, embora seja de curta duração. Certo é que
foi possível obter magnífico chá, autenticamente madeirense,
apreciadíssimo pelos que alguma vez o tomaram
[4].
[1] Vários estrangeiros que, na primeira metade
do século XIX, visitaram a quinta do Jardim da Serra referem-se a
ela como “quinta do Sr. Veitch, o Cônsul Inglês, chamada de
Jardim”
[2] Embora o início da inscrição tumular no
mausoléu, “Here lie the mortal remains of Henry Veitch…) levem a
crer que o cônsul está sepultado na sua quinta, há quem admita que
em 8 de Agosto de 1857, um dia após a sua morte, tenha sido
enterrado no cemitério britânico do Funchal.
[3] Wilhelm, Eberhard Axel. O Concelho de
Câmara de Lobos entre 1850 e 1910 visto por alguns germânicos.
Girão-Revista de Temas culturais do concelho de Câmara de Lobos,
Nº5, 2º semestre de1990, 185-195.
[4] Lamas, Maria. Arquipélago da Madeira -
Maravilha Atlântica. Editorial Eco do Funchal, 1956.
|