Ribeira dos Socorridos


Tem
a sua origem nas vertentes do Pico das Torrinhas, a 1509 metros de
altitude e nas vertentes do Pico das Eirinhas, a 1650 metros de
altitude. Atravessa a freguesia do Curral das Freiras de norte a sul
e é subsidiada pela ribeira do Furado, na sua margem direita e,
pela ribeira da Gomeira, na sua margem esquerda. Desagua entre a
vila de Câmara de Lobos e a freguesia de São Martinho, servindo de
partilha não só entre estas duas freguesias, como também entre os
concelhos do Funchal e de Câmara de Lobos.
A sua denominação está ligada ao facto de, a quando do
reconhecimento da costa da Madeira, feito pelos seus descobridores,
terem sido socorridos e salvos da morte alguns marinheiros que
haviam desembarcado na foz desta ribeira.
Prosseguindo João Gonçalves Zarco seu descobrimento
[...] com seus bateis e companhia, entre duas pontas viram entrar no mar uma
poderosa e grande ribeira, na qual pediram uns mancebos de Lagos
[tripulantes do batel] licença
para saírem em terra, a ver a ribeira, que espaçosa e alegre
parecia. E, ficando o capitão com os outros no batel, os mandou lançar
fora pelo barco de Álvaro Afonso, os quais em terra cometeram
passar a ribeira a vau e, como ela era soberba em suas águas, corria
com tanto ímpeto e fúria ao mar, que na veia da água caíram e a
ribeira os levava, onde correram sem falta perigo, se o capitão do
mar não bradara ao batel de Álvaro Afonso, que em terra estava com
a gente, onde eles foram, que corressem depressa àqueles mancebos,
que a corrente da ribeira levava, às vozes do qual foram os
mancebos acorridos e livres do perigo da água, com que o capitão
ficou contente, porque os trazia nos olhos; e daqui ficou o nome,
que hoje, este dia, [1590]
se chama Ribeira dos Acorridos
que pior pareceu àqueles mancebos de perto, do que lhes pareceu
primeiro de longe .
A sua foz é muito larga e chã,
que, sem falta, terá de largo um tiro de alcabuz, e toda esta
largura ocupa tanto a água quando vem cheia, que parece um bom rio
.
A água da ribeira dos socorridos tem sido desde os primórdios do
povoamento da Madeira utilizada para a irrigação de terrenos agrícolas,
havendo ainda outras referências à sua utilização, nomeadamente,
como veículo de transporte de madeiras e como força motriz para
mover engenhos de cana-de-açúcar .
A propósito do transporte de lenha através do leito da ribeira,
Gaspar Frutuoso refere: É tão
estranha ribeira, de grande e de muita água quando chove, que toda
a lenha que se gasta nos dois engenhos que estão nela e em outros
dois, que tem Câmara de Lobos, que está perto, trazem por ela
abaixo, que podem ser oitenta mil cárregas de azémala (sic) cada
ano, antes mais que menos. E tem esta ordem para trazer esta lenha:
tendo-a cortada nos montes, a põem em lanços perto das rochas da
ribeira, e cada senhorio da lenha, que a mandou cortar, tem posto
sua marca em cada rolo, que, pela maior parte, é toda lenha grossa,
pondo uma mossa, outros duas, outros três ou quatro, e tanto que
chove se ajuntam como cem homens das fazendas, indo-se aos montes e
serranias, onde têm suas rumas de lenha posta, e lançam-na à
ribeira pelas Rochas abaixo, que são muito altas; a água como é
muita, traz aquela multidão de lenha e muitos daqueles homens
trazem uns ganchos de ferro metidos em umas hastes de pau compridas,
com os quais desembarram e desembaraçam a lenha, que vem toda pela
ribeira abaixo, e, se (como acontece muitas vezes) acerta de cair
algum deles na ribeira, com aqueles ganchos apegam dele por onde se
acerta, ainda que o firam, com que, ou morto ou vivo, o tiram fora
da água, e acontece algumas vezes morrerem alguns homens neste
grande trabalho. Vindo com esta lenha pela ribeira abaixo com grande
arruído e pressa, e comidas e bebidas, que para esse efeito ajuntam
e o trabalho requer, quando chegam junto dos engenhos, onde a
ribeira espraia e faz maior largura, espalha-se a água, por ser a
ribeira muito chã, e ficando quase em seco, ali a tiram com os
mesmos ganchos, e cada um dos senhorios, por sua marca, aparta a
sua, pondo-a em rumas muito grandes para o tempo da açafra do açúcar.
Mas acontece algumas vezes, chovendo em demasia na serra, que enche
a ribeira muito e leva muita cópia desta lenha ao mar, em que se
perde grande parte do custo que têm feito
.
Referindo-se às levadas, que têm início na ribeira dos
Socorridos, o mesmo autor refere: Perto da fonte, onde nasce a água desta ribeira dos Acorridos, se tirou
a levada dela para moer o engenho de Luís de Noronha, e dizem que
do lugar donde a começaram de tirar até onde vai ao engenho e
regar os canaviais, há bem quatro léguas [...].
Da mesma ribeira, mais abaixo para o Sul, tirou António Correia
outra levada para regar as terras da Torrinha, que estão sobre Câmara
de Lobos, também de muito custo
.
Actualmente a ribeira dos socorridos, apesar de já não constituir
meio de transporte de lenha nem ser utilizada como força motriz, as
suas águas continuam a serem utilizadas na rega, constituindo, por
esse facto, o ponto de origem de antigas e importantes levadas, como
a levada dos Piornais; a levada nova de Câmara de Lobos e a levada
do Curral e Castelejo, etc. e, o extenso leito da sua foz, depois
usurpado ao domínio público e utilizado na agricultura, acabaria
por ser transformado numa importante área industrial e desportiva.
Situando-se o leito da ribeira profundamente entre duas encostas, o
deslize natural de terras, principalmente nas proximidades da sua
foz, onde a ribeira era mais larga, chã e onde a água corria mais
lentamente, e também onde havia maio tendência para acumulação
de detritos transportados das zonas situadas a montante, surgem
condições para a formação de pequenas fajãs. Estas fajãs, cedo
terão sido aproveitadas para extensão das áreas agrícolas limítrofes
e acabariam por depois, artificialmente, mediante acção humana,
serem ampliadas, para o interior do leito da ribeira.

Em Setembro de 1936, a Junta Geral possuía terrenos numa das
margens da ribeira dos socorridos, que totalizavam 21.950 metros que
deliberaria vender em hasta pública, dando desse facto conhecimento
a 9 de Setembro desse ano, à
Câmara Municipal de Câmara de Lobos de quem obteria a sua concordância
.
No início de 1964, a firma Hinton & Sons, proprietária de uma
importante área de terrenos cultivados a bananeira, na margem
esquerda da foz da ribeira dos Socorridos solicita à Junta Geral a
sua ampliação, no sentido do leito da ribeira, situação que
obriga a Direcção de Obras Publicas a solicitar à Câmara
Municipal de Câmara de Lobos, a realização de um inquérito
Administrativo, a fim de avaliar a viabilidade de tal pretensão,
inquérito esse que a Câmara, na sua sessão de 26 de Fevereiro de
1964, delibera realizar .
Polémica como era esta pretensão da família Hinton, quando se
tornou pública, logo viriam a surgir vozes discordantes, não só
por parte da imprensa, como de outros proprietários de terrenos,
nas proximidades e da própria Câmara Municipal de Câmara de
Lobos.
Na sua edição de 7 de Março de 1964, o Diário da Madeira a este
propósito dizia que os herdeiros do falecido Hinton haviam
aumentado, nas proximidades da sua foz a sua área de cultura de
bananeira invadindo o leito da ribeira, facto aparentemente aprovado
pela Junta Geral e ao que se supõe tendo também merecido a concordância
da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, a quem a Junta terá
oficiado se haveria ou não inconveniente nisso .
Adiantava ainda o mesmo órgão de informação que seria provável
que estes terrenos, há muito revolvidos e terraplenados,
brevemente surgissem registados em nome dos seus novos proprietários.
Para o articulista do Diário da Madeira a
verdade é que um pobre areeiro não pode tirar uma pá de areia sem
licença e sair com ela sem pagar ao proprietário da estrada que dá
acesso ao calhau. A Junta não reconhece ao madeirense esse direito.
O ofício do nosso primeiro corpo administrativo à Câmara de Câmara
de Lobos demonstra bem o seu interesse por um talhão de terreno de
excelente produção que deve valer à volta de umas boas centenas
de contos. Realmente a ideia do novo alinhamento não era para
desprezar e deixar-se a iniciativa a outro... Os herdeiros do Sr.
Hinton lembraram-se disso, deixaram amadurecer a ideia e no momento
próprio mandaram avançar a sua brigada motorizada de tractores e
os trabalhos iniciaram-se, trabalhos que começaram há quase um ano
e só agora depois de concluídas praticamente, a Junta resolveu
perguntar se havia algum inconveniente nisso.
Dermont Francis Bolder, Joaquim Rodrigues Figueira e Sociedade Sóbananas
- Sociedade produtora de Bananas (Madeira) Lda. , em ofício
dirigido à Câmara Municipal de Câmara de Lobos, também se viriam
a insurgir contra a pretensão dos Hintons .
Por outro lado, o inquérito administrativo mandado fazer pela Câmara,
na sequência do pedido formulado pela Junta Geral, não deixa
margem para dúvidas, na oposição à entrega do leito da ribeira a
particulares e, perante as reclamações, a Câmara nomeia um perito
para as avaliar ,
tendo a escolha recaído no Eng. Jorge Macedo e Sousa .
Numa primeira abordagem desse inquérito, e antes mesmo da avaliação
das reclamações apresentadas, a Câmara consideraria ser seu dever
salvaguardar os interesses dos proprietários do concelho, apoiando
as reclamações apresentadas. Para além disso, a Câmara recorda
que havia cerca de 35 anos, na sequência de grandes chuvadas e pese
o facto de estarem abertos três arcos da ponte, o grande volume de
água que se fez sentir havia danificado o arco poente, facto que
levou à interrupção do trânsito até à sua completa reparação.
Em consequência disso, perante a pretensão da firma Hinton &
Sons, Lda., a Câmara considerava ser bastante contingente, até
perigoso diminuir a capacidade de vasão das águas desta ribeira,
uma vez que ninguém pode afirmar que, no futuro, não pudesse
surgir um caudal semelhante. Por outro lado, o estreitamento do
leito da ribeira corresponderia a uma diminuição da área de
extracção de areia, elemento indispensável para as construções,
cuja escassez tornaria mais caro este material, além de que viria
prejudicar muitos filhos deste concelho que tinham como meio de vida
a extracção de areia na Ribeira. A Câmara, em presença das
reclamações apresentadas e dos considerandos acima, deliberaria,
por unanimidade fazer reparo à ocupação do terreno em causa.
Depois de uma utilização agrícola, as margens da ribeira dos
Socorridos, acabariam por dar lugar à implantação de importantes
infra-estruturas industriais e desportivas, tarefa que obrigaria a
obras de recanalização do seu leito e a protecção das novas
margens.
Nas margens da ribeira dos Socorridos, na sua foz e próxima dela
encontram-se implantadas importantes infra-estruturas energéticas,
industriais e desportivas.
Constituindo outrora uma importante área agrícola, onde numa fase
inicial terá predominado a cultura da cana-de-açúcar e mais
recentemente da bananeira, a
foz da ribeira dos Socorridos, depois de ter sido apontada, nos anos
60, como um dos locais susceptíveis de ser utilizado para a construção
de um bairro social, para albergar as populações piscatórias
residentes no Ilhéu e no Espírito Santo e Calçada Sul , viria a se transformar
numa importante espaço industrial.
Longe vão os tempos em que a foz da ribeira era muito larga e teria
de largura um tiro de arcabuz, ocupada totalmente por água quando
vinha cheia, dando-lhe um aspecto de um rio .
Da mesma forma, longe vão os tempos em que nela existiram os
engenhos de moer de canas de açúcar pertencentes a Manuel da My (sic)
e a António Mendes ,
.
Como longe vão os tempos em que a entrada da foz era guardada por
duas fortificações: a do Pastel situada na sua margem direita e a
dos Socorridos situada na sua margem esquerda , .

Para
além do PIZO – Parque Industrial da zona Oeste – instalado a
montante, na foz da ribeira dos Socorridos, encontra-se implantada a
Central Termoeléctrica da Vitória, inaugurada a 2 de Outubro de 1980 [18]
e, em 1992 ampliada [19],
[20];
a empresa Cimentos Madeira, inaugurada no dia 6 de Dezembro de 1985 [21],
[22].
Previsto para as proximidades da foz da ribeira dos Socorridos,
esteve a construção de um porto denominada dos socorridos [23],
[24].
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