Rua do Espírito Santo
Situa-se na encosta leste da baía de Câmara de Lobos, no sítio do
Espírito Santo, estendendo-se desde a estrada João Gonçalves Zarco,
junto ao seu cruzamento com a rua Dr. João Abel de Freitas, até à
rua Padre Manuel Juvenal Pita Ferreira, onde termina junto ao
cemitério, não sem antes cruzar no seu trajecto, esta mesma rua.
Para além dos
arruamentos que referenciam o seu início e fim, a rua do Espírito
Santo tem ligações com a travessa pé de Pico, com o caminho do Pico da
Torre e
com a beco do Espírito Santo.
A Rua do Espírito Santo,
situa-se na cidade de Câmara de Lobos e a sua denominação, atribuída
por deliberação camarária de 18 de Maio de 1995, está relacionada com
a existência no local, de uma capela fundada por João Gonçalves Zarco,
com a invocação do Espírito Santo, facto que também viria a
condicionar o nome do sítio onde se encontra implantada. Ainda que,
antes desta deliberação este arruamento fosse já popularmente
conhecido por caminho do Espírito Santo e, por isso, a Câmara mais não
tivesse feito do que confirmar a tradição popular, esta resolução
camarária viria, contudo, talvez por desconhecimento de quem a tomou,
a anular uma outra verificada a 1 de Fevereiro de 1951 e que atribuía
a este mesmo arruamento o nome do poeta camaralobense Joaquim Pestana.
Com efeito, a 1 de Fevereiro de 1951, a Câmara Municipal de Câmara
de Lobos, sob proposta do seu presidente, o Dr. Vasco dos Reis
Gonçalves, delibera atribuir o nome de Joaquim Pestana à rua anexa à
qual o poeta possuía residência e onde viveu durante muitos anos e
que, da estrada João Gonçalves Zarco, na altura denominada de
nacional 101
[1],
se estendia até ao largo do cemitério. Como razões para tal
homenagem a proposta referia a necessidade de perpetuar a memória do
poeta natural de Câmara de Lobos, onde residiu a maior pa rte da sua vida e que se havia notabilizado pelos seus
escritos poéticos, dispersos por inúmeras das publicações da época
em que viveu, facto que o tornou apreciado não só em Portugal, como
também no Brasil. Apesar das respectivas placas toponímicas terem
sido instaladas, o tempo, e alguma negligência, ter-se-ão encarregue
de as afastar prematuramente do olhar dos transeuntes e permitido
que a sua memória, cedo, tivesse sido apagada.
Um dos primeiros
arruamentos de Câmara de Lobos
Não sendo possível precisar o
momento em que este arruamento surgiu, será no entanto lícito admitir
que possa ter sido um dos primeiros que se delineou em Câmara de
Lobos. A corroborar esta opinião, está naturalmente a existência da
capela do Espírito Santo nas suas proximidades e a necessidade de um
acesso entre esta e o centro do povoado, até porque, inicialmente, ela
terá servido de sede da paroquia de São Sebastião, a quando da sua
criação pelos anos de 1430.
Por outro lado, até à
construção da chamada estrada monumental, este caminho também teria
constituído a principal entrada e saída do centro povoado de Câmara de
Lobos, relativamente ao Funchal, num percurso compreendendo para além
deste arruamento, o hoje denominado caminho velho da Palmeira, caminho
da Boa Hora, caminho dos Lamaceiros, caminho de João Ernesto Pereira e
velha ponte dos Socorridos.
A Capela do Espírito Santo
Nesta rua, não podemos deixar de destacar a exis tência
da Capela do Espírito Santo, tida como erigida por João Gonçalves
Zarco e cedida em 1922
[2],
a título precário e gratuito, para exercício do culto público
católico à Confraria da Ordem Terceira de S. Francisco de Assis, da
freguesia de Câmara de Lobos, na altura presidida pelo Padre Joaquim de Carvalho.
Infelizmente, apesar do seu
significado histórico tanto para a freguesia e concelho de Câmara de
Lobos, como até para a Região e sendo, como parece que ainda é,
propriedade do Estado, salvo resolução posterior que se desconhece,
é pena que nunca se lhe tivesse dado a atenção devida.
Apesar de neste momento não
possuir acesso directo ao público e se encontrar encarcerada entre
várias construções, autorizadas sem que houvesse a mínima preocupação
de preservação do património local, julgo que ainda se justificaria
uma intervenção conjunta por parte do Governo Regional, Igreja e da
Câmara Municipal de Câmara de Lobos no sentido de a dignificar. Afinal
de contas, esta capela (ou aquilo que ela representa da primitiva
edificação) foi, ao que tudo indica, o berço da freguesia de Câmara de
Lobos!
Ainda a propósito desta
capela, recorde-se que ela possui uma imagem em mármore de São Tiago
que segundo a tradição popular foi pescada no mar da malha, a uns 5 km
da terra e que após a sua chegada ao porto da vila foi levada em
procissão até à igreja matriz e daí para a capela do Espírito Santo,
onde é venerada. Ao que parece, esta imagem permaneceu no seu estado
primitivo até 1877, altura em que foi alvo de restauro, por sinal mau.
O Colégio da Preservação
Vivendo a classe piscatória, num ambiente de miséria, grande
promiscuidade e correndo as jovens grandes riscos morais ou ainda de
serem utilizadas sexualmente a troco de pequenas contrapartidas
materiais, o padre João
Joaquim de Carvalho, através da Ordem Terceira de São Francisco
de Assis, de Câmara de Lobos, de que era presidente, toma, em
1923
[3],[4],
a iniciativa de criar uma escola de regeneração para estas jovens
desprotegidas. Esta ideia, não só é bem aceite pela população,
particularmente pelas bordadeiras que, por sugestão do padre
Carvalho, se organizam em núcleos por cada sítio com a finalidade de
trabalharem na angariação de fundos, como por parte dos membros da
chamada sociedade de então
[5],[6].
Do aparecimento da ideia à sua concretização foi um passo e logo
surgiu quem se disponibilizasse a ceder, para o efeito duas salas da
sua residência. Contudo, apesar desta oferta, protagonizada por D.
Maria Eugénia Bianch Henriques
[7],
a escola haveria de ficar instalada na capela do Espírito Santo e
casa anexa, de que era detentor, por portaria 3.393 de 29 de
Novembro de 1922, a Ordem Terceira de São Francisco de Assis de
Câmara de Lobos
[8],[9].
A Congregação
de N. S. das Vitórias
Logo após a sua fundação, este colégio foi entregue à
responsabilidade da Congregação de Nossa Senh ora
das Vitórias, que aí se instalam no dia 13 de Outubro de 1923, com
uma equipa constituída pelas irmãs Maria de São Gabriel Ferreira
(superiora), Maria Otília da Silva, Maria Matilde Gonçalves e Maria
da Natividade de Melim. A direcção do colégio ficou, contudo, sob a
supervisão directa do padre João Joaquim de Carvalho que, em 1931,
se fez substituir pelo padre Abel Ferreira
[10].
Amparar moral e religiosamente as
filhas dos
pescadores, como ainda lhes ensinar costura e a ler, constituíam os
mais importantes objectivos do colégio.
Os objectivos
do colégio
A este propósito, o padre Joaquim de Carvalho recordava, em 1933, da
seguinte forma, numa entrevista ao Jornal da Madeira a origem do
colégio: Os filhos dos pescadores, em geral, acompanham os pais
na rude e perigosa faina da pesca, mas as filhas... essas coitadas
com a decadência da industria dos bordados começavam a entregar-se à
mendicidade, indo até ao Funchal, na emergência de grandes perigos
morais. [...] Embora haja muito boa gente que dê esmola com
espírito de caridade, há outros que a dão com intuitos miseráveis.
Eis a origem do colégio da Preservação cujo fim [...] é
amparar moral e religiosamente as rapariguitas desde os 7 aos 18
anos, chegando-se mesmo a lhes dar de comer para assim se evitar que
elas vão pedir esmolas, pelo que como já dissemos correm grandes
perigos morais
[11].
Da mesma forma, os estatutos da Ordem Terceira de São Francisco de
Assis na sua reformulação de 24 de Março de 1933, no seu artigo 4¼.,
focam os objectivos do colégio da Preservação da seguinte forma:
[...] esta assistência atenderá com a máxima compaixão às
crianças pobres reunidas em uma casa já concedida a esta Ordem
Terceira [...] que servirá de recolhimento diurno de
preservação e assistência a crianças pobres, do sexo feminino, da
classe piscatória e de outras classes indigentes, às quais deverão
ministrar-se alguns socorros em alimentos e roupas e ensino de
trabalhos domésticos que lhes permita viver no futuro honestamente
[12].
A escola da Preservação era assim o oásis em cuja sombra se
acolhiam, durante o dia, as raparigas pobres da vila e, onde, livres
do contacto com más companhias e maus costumes, estudavam e
trabalhavam em obras diversas como bordados, renda, costura e
meias. Ë noite regressavam a casa de seus pais, a maior parte deles
pescadores e onde de uma forma ou de outra acabavam por lhes
transmitir a educação e os exemplos que recebiam nesta instituição
[13].
As dificuldades
do colégio
No entanto, muitas dificuldades foram necessárias ultrapassar para
manter esta instituição a funcionar, particularmente até 1933,
altura em que, a par dos donativos provenientes da Ordem Terceira de
São Francisco e de ocasionais benfeitores, ela passa a beneficiar de
um apreciável apoio por parte das entidades oficiais: Governo Civil,
Assistência Distrital, Câmara Municipal de Câmara de Lobos,
Assistência Nacional Dia Madeirense e principalmente a Junta
Geral do Funchal. Durante esta primeira fase da vida do colégio da
Preservação as irmãs passaram por grandes privações e viram-se
muitas vezes obrigadas, após um dia de árdua dedicação às crianças,
a trabalharem pela noite dentro com o fim de angariarem meios para
poderem manter a instituição, chegando algumas, inclusive a
superiora a verem afectada a sua saúde
[14].
Subscrições públicas efectuadas principalmente no Funchal,
realização de festas de caridade (bazares, festas da flor),
donativos provenientes de benfeitores e dinheiros provenientes do
trabalho de alguns núcleos de bordadeiras da freguesia constituíam,
nesta altura, a principal fonte de receita desta instituição, que
nos três primeiros anos era conhecida por Colégio da Regeneração
[15].
A introdução
de uma sopa
No dia 22 de Junho de 1933 é introduzida uma sopa regular, dada
duas a três vezes por semana, facto que, veio criar um incentivo à
frequência da instituição, por parte das filhas dos pescadores,
passando de 160 sopas por dia, no início, para 250 ou mais um ano
depois, período a o
longo do qual foram servidas 26.274 sopas e a que correspondeu um
custo de 14.248$25
[16].
Por outro lado, o acesso a esta refeição veio, também,
colmatar algumas carências alimentares de muitas crianças, cujo
estado de fraqueza era tão grande que não as deixava trabalhar,
chegando mesmo a desmaiarem.
A educação musical era também um aspecto não descorado pelas irmãs de
Nossa Senhora das Vitórias, chegando o colégio a possuir uma Schola
Cantorum
[17],[18].
Em Julho de 1934, a Câmara resolveu
construir um fontenário à porta do Colégio da Preservação para
utilidade pública, o que para além de servir o público veio facilitar
o colégio, uma vez que este, não possuindo água canalizada, se via em
dificuldades por causa da sopa
[19].
Em Abril de 1946, a Câmara
Municipal de Câmara de Lobos manda adaptar um salão situado nas
proximidades da capela do Espírito Santo, para aí instalar uma escola
de ensino primário, cuja direcção entrega às irmãs de Nossa Senhora
das Vitórias, tendo as aulas início a 28 desse mesmo mês
[20].
A exiguidade
das instalações
Em 1952 a casa de residência
das sete religiosas que, na altura, viviam no colégio da Preservação e
constituíam assim o quadro docente, possuía unicamente dois quartos de
dormir e uma minúscula e escura sala de jantar, espaço naturalmente
exíguo e que de certo modo reflecte, as inúmeras carências porque ao
longo dos tempos passaram as Irmãs de Nossa Senhora das Vitórias nesta
sua obra de assistência em Câmara de Lobos
Com o apoio proveniente não só
das entidades oficiais como de outros benfeitores, foi não só possível
assegurar a continuidade da sopa ministrada às crianças, como realizar
importantes melhoramentos na capela e casa anexa, onde funcionava o
colégio, particularmente a partir de 1980, altura em que foram as suas
instalações substancialmente ampliadas.
Ao longo dos anos muitas foram as jovens a quem foi dada
oportunidade de terem uma adequada formação moral e religiosa. Até
1952, pelo menos 12 jovens já haviam enveredado pela vida religiosa,
passando a serem membros da Congregação de Nossa Senhora das
Vitórias e entre 1933 e 1951 haviam-se matriculado no colégio cerca
de 4.000 crian ças
[21].
Em 1952, de acordo com o Jornal da
Madeira de 27 de Julho o colégio possuía 150 alunas
externas que aprendiam o 1º e 2º grau, religião e trabalhos manuais e
domésticos.
O fim do colégio
da Preservação
No entanto, por circunstâncias
várias, a que provavelmente não será alheia uma alteração progressiva
das condições de vida dos pescadores e dos meios e metas que, em
termos de educação, estavam ao seu alcance ao tempo da sua criação, o
colégio acabaria depois, por se afastar gradualmente, sem podermos
precisar quando, dos objectivos para que foi fundado, para se
transformar, exclusivamente, num estabelecimento de ensino primário
particular.
Desta forma, através do alvará
n¼ 1218 de 12 de Agosto de 1952, é concedido à Congregação das
Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias, autorização para
funcionamento de uma escola primária para o sexo feminino, denominada
de Escola da Preservação.
A escola do
Espírito Santo
Com esta denominação
permaneceu este estabelecimento de ensino até 1981, altura em que, por
Despacho de 13 de Outubro do Secretário Regional da Educação e
Cultura, passa a chamar-se de Escola do Espírito Santo. Em 22 de Maio
de 1984 é autorizado o funcionamento da escola em regime de coeducação,
ou seja misto e mais recentemente, seria colocado em funcionamento um
sector de educação infantil.
A par da actividade escolar os
membros da Congregação das Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias
presentes na escola, colaboram activamente na formação cristã das
crianças da paróquia onde o estabelecimento de ensino está sitiado.
Diário da Madeira, 11 de Abril de 1923.
Diário da Madeira,19 de Abril de 1923.
Diário da Madeira, 11 de Abril de 1923.
Diário da Madeira,19 de Abril de 1923.
Diário da Madeira,19 de Abril de 1923.
Diário do Governo, I série, n¼. 248, de 30 de Novembro de 1922.
O Jornal, 1 de Setembro de 1934.
Jornal da Madeira, 27 de Julho de 1952.
O Jornal, 8 de Agosto de 1933.
Jornal da Madeira, 27 de Julho de 1952.
O Jornal, 18 de Junho de 1927.
Jornal da Madeira, 27 de Julho de 1952.
O Jornal, 8 de Janeiro de 1924.
O Jornal, 7 de Julho de 1934.
O Jornal, 7 de Julho de 1934.
O Jornal, 1 de Setembro de 1934.
O Jornal, 7 de Julho de 1934.
Diário de Notícias, 15 de Abril de 1946.
Jornal da Madeira, 27 de Julho de 1952.
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