CÂMARA DE LOBOS - DICIONÁRIO COROGRÁFICO

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Henry Veitch

 

 

Veitch, Henry

 

Henry Veitch era natural de Selkirk, Escócia, onde nasceu no dia 2 de Julho de 1782, tendo falecido no Funchal a 7 de Agosto de 1857, onde haveria de ficar sepultado no cemitério inglês, pese o facto da tradição o dar como sepultado juntamente com um seu cão, que tanto amava, no mausoléu, ainda hoje existente, mandado construir por sua mulher na quinta do Jardim da Serra.

A este propósito refere a tradição popular que Henry Veitch desejava ficar sepultado na quinta do Jardim da Serra, o que na altura não era permitido. Por esse facto, a viúva mandou edificar um mausoléu e, à sua volta plantou urzes, de modo a escondê-lo da população. Numa noite, o corpo de Henry Veitch foi transportado desde o cemitério inglês onde estava sepultado, até à quinta do Jardim da Serra, tendo a utilização de archotes para iluminarem o caminho, assustado as pessoas, por pensarem que se tratava de almas de outro mundo [1].

Henry Veitch terá sido casado por duas vezes, a primeira com Margaret Antoinette Harrison e a segunda com Carolina Joaquina de Freitas Veitch, tendo tido descendência de ambas.

A sua fixação no Funchal terás acontecido, pelo ano de 1809, na sequência da sua nomeação de agente e cônsul geral britânico na Madeira, a quando da sua segunda ocupação por tropas inglesas.

Apesar do cargo que desempenhava numa tão melindrosa situação, soube assumir uma conduta de modo a não levantar conflitos com as autoridades locais nem a concitar contra si a má vontade dos seus habitantes.

Em 1828, por ocasião da guerra civil que opôs liberais e absolutistas e que levaria à tomada da Madeira por parte destes últimos, viria a dispensar importante protecção a muitos liberais, vítimas de perseguição. As suas casas serviram de seguro e hospitaleiro asilo a muitos perseguidos políticos, tendo promovido a fuga a muitos habitantes para  bordo da fragata de guerra «Alligator», entre os quais se contavam o Governador Travassos, visconde de Carvalhal e dois sobrinhos de Januário Camacho, coronel Albuquerque, juiz de fora e corregedor e muitos outros [2].  Esta opção em defesa dos liberais valer-lhe-ia a suspensão das suas funções à frente do consulado inglês, cargo que recupera em 1831, para o abandonar em 1836, sendo substituído por George Stoddart [3].

No dia 23 de Agosto de 1815, Henry Veitch por ocasião da passagem de Napoleão pela Madeira, a caminho do exílio, foi a única pessoa da Madeira que esteve com ele a bordo da nau «Northumberlarid» onde viajava, afirmando‑se na altura, que este o recebera pelo facto de Veitch lhe ter dado o tratamento de majestade, quando a bordo só era permitido tratá‑lo pelo simples nome de general Bonaparte. Ao oferecer os seus préstimos, Napoleão mostrou vontade em receber alguns livros e frutas, ao que muito gentilmente acedeu, enviando‑lhe uma magnífica oferta de frutos, doces e vinhos velhos. Tendo Napoleão mandado a Veitch alguns luizes em ouro, destinados ao pagamento do bote que conduzira os refrescos a bordo, diz a tradição que o cônsul os lançara na pedra angular da igreja anglicana, ao abrir‑se o alicerce para a construção daquele templo [4], de cuja edificação fora o grande impulsionador [5].

Para além de cônsul, Henry Veitch era um importante comerciante, nomeadamente de vinhos, especialmente da casta sercial, tendo feito fortuna com o abastecimento de navios.

A propósito das suas actividades comerciais, refere a traição que Henry Veitch também faria contrabando, contando-se que, estando a residir em Câmara de Lobos, em certa noite, terá vindo à janela e atirado moedas de ouro à população, a fim de as distrair, enquanto procedia a um desembarque ilegal, na praia local.

Ainda que desconheçamos a veracidade deste episódio, a verdade é que permanece obscuro os motivos porque levaram Henry Veitch, a edificar, em 1856, uma casa em Câmara de Lobos, na margem esquerda da ribeira do Vigário, nas proximidades da sua foz. Contrabando? Apoio nas deslocações de pessoas e materiais entre Funchal e Jardim da Serra?

 

 

Independentemente desta suspeita, a verdade é que Henry Veitch tinha grande predilecção pela Madeira e nela haveria de despender uma parte considerável da sua fortuna na aquisição e construção de vários edifícios dotados de linhas arquitectónicas características. As actuais instalações do Instituto do Vinho da Madeira, localizadas na rua 5 de Outubro; a quinta Calaça, hoje Clube Naval do Funchal; a quinta do Jardim da Serra, onde haveria de, em 1827 introduzir a cultura de chá e uma edificação existente em Câmara de Lobos, fazem questão e teimam em perpetuar a memória do seu construtor, passados que são quase 150 anos desde a sua morte.

A propósito de Henry Veitch e da sua presença na quinta do Jardim da Serra, conta-se que ele teria levado ali a vida desenfreada de um  pecador e que se teria rodeado de um harém composto por trinta raparigas e mulheres de várias idades e que nenhuma moça das redondezas teria desabrochado sem ser aliciada com ouro para as suas garras [6].

Ainda que esta afirmação se possa mostrar exagerada, a verdade é que ninguém parece negar a existência de filhos de Henry Veitch, resultantes de incursões junto de donzelas da localidade.

Relativamente à sua casa de Câmara de Lobos, ela seria vendida, a 16 de Agosto de 1871, por Carolina Joaquina Veitch, viúva de Henrique Gordan Veitch, a João Gonçalves Farinha Henriques. Na altura, de acordo com a respectiva escritura, ela constava de uma casa sobrada, altos e baixos com seu quintal e benfeitorias nele de muros em roda, paredes de suporte, um poço de pedra e cal e outras no sítio das Cales; ao pé da ponte na dita vila de Câmara de Lobos, com duas horas de água em cada giro da levada da Castanheira confrontando este prédio pelo Norte com a azinhaga, Sul com a rua da ponte, Leste com a rocha e Oeste com a ribeira"

A 16 de Junho de 1894, João Gonçalves Farinha Henriques e sua mulher, venderam-na a Sabino Teodoro da Silva. De acordo com o texto da escritura de compra da casa por parte de Sabino Teodoro da Silva,  tratava-se de "um prédio rústico e urbano no sítio das Calles, Nazareth e Engenho nesta referida freguesia de Câmara de Lobos, consta de uma casa telhada com três pavimentos, uma outra casa telhada com um moinho de moer cereais e seus utensílios, paredes e árvores de fruto, corredor de madeira e seu competente jardim, calçadas que confina este prédio ao Norte com terra dos herdeiros de José Maria Teixeira de Agrela, Sul com a estrada pública, Leste com o caminho municipal e terra dos herdeiros de Germano Pinto de Oliveira e Oeste com a ribeira".

Por esta última descrição poderemos concluir que a primitiva construção de Henry Veitch teria sido alvo de ampliação em mais um piso, entre 1871, altura em que sai da propriedade dos herdeiros de Henry Veitch e 1894, altura em que  Sabino Teodoro da Silva o havia adquirido a João Gonçalves Farinha Henriques.

Depois da morte de Sabino Teodoro da Silva, a casa haveria de permanecer na posse de alguns dos seus herdeiros que a haveriam de vender, em 2004, à Câmara Municipal de Câmara de Lobos, que em Janeiro de 2005 a viria de demolir.



[1]     Informações veiculadas por Dra. Helena Araújo

[2]     Diário da Madeira, 7 de Agosto de 1917.

[3]     SAINZ-TRUEVA, José. Quinta do Jardim da Serra. Atlântico – Revista de Temas Culturais, Verão de 1989, nº. 18, 105-112.

[4]     Diário da Madeira, 7 de Agosto de 1917.

[5]     SAINZ-TRUEVA, José. Quinta do Jardim da Serra. Atlântico – Revista de Temas Culturais, Verão de 1989, nº. 18, 105-112.

[6]     WILHELM, Eberhard Axel. O Concelho de Câmara de Lobos entre 1850 e 1910 visto por alguns Germânicos. Girão-Revista de Temas Culturais do Concelho de Câmara de Lobos, nº5, 2º Semestre de 1990, 193.

 

 

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Manuel Pedro Freitas

Câmara de Lobos, sua gente, história e cultura